18 dezembro 2005

Guiné 63/74 - CCCLXXXIII: O que diziam os jornais estrangeiros (1): Le Nouvel Observateur no Morés (1966)

Gérard Chaliand: Com os Rebeldes da Guiné. Nouvelle Observateur (Paris) 13 de Julho de 1966. Notas de leitura de Virgínio Briote (ex-alferes miliciano, comando, Brá, 1865/66)


O autor começa por descrever um bombardeamento aéreo, algures no norte da Guiné, pela aviação portuguesa, com aviões americanos e alemães, o 11º num período de 12 dias e dizendo que, desta vez os portugueses iam em força porque havia uma razão: Amílcar Cabral encontrava-se naquela região.

Depois de descrever a visita de Cabral a uma aldeia da zona libertada, referindo uma concentração de 3.000 homens aclamando o dirigente do PAIGC, o jornalista prossegue:

"(...) Tudo se passou sem história. Em linha recta está-se a 80 kms de Bissau, a capital, mantida pelos portugueses que dispõem de 25.000 homens (...)..

"Em Abril de 1964, 3.000 portugueses apoiados pela aviação, não podiam, depois de 65 dias de combate, retomar a ilha do Como (1), no sul do país. Este pequeno país de 36.000 kms e de 800.000 habitantes é a zona mais activa de África (...)

"Os aviões picam antes de metralhar. Depois é o som espesso das bombas. Durante a noite um informador preveniu um dos postos portugueses da região. Os portugueses sabem certamente que o dirigente se encontra na zona. Bombardeiam com intensidade durante toda a manhã. No entanto, não haverá senão 7 mortos e 5 feridos em Djagali (2). Dissimulados num pequeno bosque - um grupo de 15 – esperamos que tudo se acalme. Muito perto fica a base de Maqué (2), onde há mais de 100 guerrilheiros. No dia da nossa chegada, depois de 40 kms de marcha, Cabral passou-os em revista. Com uniformes de caqui, correctos, quase todos calçados com sandálias de plástico – a propaganda portuguesa descreve-os nus – têm morteiros, bazucas e metralhadoras pesadas. Pertencem às FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). Nas aldeias existem aldeões sem uniforme, mas armados de espingardas de modelos recentes.

"Nesta base realizou-se, durante 2 dias, a reunião dos quadros do norte do país. Uma grande casa onde a luz penetra. Duas mesas rodeadas de cadeiras de palha. Trabalha-se com magnetofone, pois evita-se assim a papelada (...).

"O acolhimento, na dezena de aldeias que visitámos, foi sempre caloroso. Numa delas ofereceram-nos nozes de cola e sal, às vezes um frango e vinho de palma. Os camponeses conhecem os combatentes pelo próprio nome; às vezes, estes últimos são até da própria aldeia. Por toda a parte os camponeses elegeram os comités do Partido: 3 homens e 2 mulheres, que estão em ligação com o comissário político que comanda cada grupo de combatentes.

“ - No tempo dos Portugueses - diz um responsável de uma aldeia - existia o trabalho forçado, o imposto, os castigos de palmatória e o chicote. Há já dois anos que nunca mais vimos Portugueses por aqui" - (...) Este ano o Partido vai fazer armazéns para o povo. Trocar-se-à o arroz e o amendoim pelos tecidos (...)".

E depois de uma entrevista com um desertor português, em que este refere a vida impossível nos estacionamentos e o mau trato dado aos soldados, o autor da reportagem aborda a assistência médica e educativa nas zonas sob controlo do PAIGC:

"Na base, dois médicos cirurgiões tratam os feridos, quando os há – havia uns 10 quando por lá passámos. A mesa de operações é rudimentar, mas os medicamentos não faltam. Enfermeiras formadas no estrangeiro, preparam por sua vez, no próprio local, jovens auxiliares. Ensina-se igualmente a ler. Duzentos alunos, rapazes e raparigas, estudam em Morés. Têm entre os 7 e os 15 anos. Divididos em secções, já todos sabem ler e escrever correctamente o português. Professores-combatentes dão-lhes 4 horas de aula por dia. Os exercícios fazem-se num quadro suspenso numa árvore. Há exames trimestrais e semestrais para transferência de secção. No bom tempo da Paz Lusitana tinham os portugueses escolarizado 2.000 crianças. Em três anos o PAIGC escolarizou 4.000, sempre a conduzir a guerra (...).

" - As razões do sucesso da nossa luta - diz Chico, comissário político do Norte - estão no facto de dois anos antes de rebentar, Cabral ter formado centenas de quadros em Conakry e de ter enviado dezenas deles para fazer o trabalho de explicação e mobilização nas aldeias. Quando começou a luta não tivemos que nos esconder dos Portugueses e dos camponeses, pois estes últimos informavam-nos sobre todos os movimentos das tropas. Depois velou-se sempre para que não surgissem atritos entre os combatentes e a população" (...).

E o artigo termina assim:

"Esta manhã, enquanto bombardeavam Djagali, os Portugueses(3) mandaram uns 50 homens de helicóptero até à zona da fronteira. Foram interceptados por combatentes do PAIGC; retrocederam, depois de algumas horas de combate, deixando vários mortos no terreno. Quando chegámos, a estrada estava livre. A estação das chuvas vai começar. Para poderem ver, os aviões descem abaixo dos 1.000 metros. É a esta altitude que os guerrilheiros já abateram 3 aparelhos no último ano. Além do mais chegaram armas pesadas.

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Notas de L.G.:


(1) Vd. a crónica do Mário Dias: pots de 15 de Dezembro > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias).

(2) Região do Oio > Jagali entre Bissorã e o Rio Cahceu. Maqué fia entre Bissorã e Olossato. Vd. mapa geral da Guiné (1961)

(3)
"O meu grupo esteve numa acção nesta zona, na data indicada. Ver a seguir aquilo que escrevi na altura (VB)": Guiné 63/74 - CCCLXXXIV: Comandos à procura do Amílcar.

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