Guiné > Zona Leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > A famigerada árvore que servia de mira aos guerrilheiros do PAIGC nas flagelações, com armas pesadas, ao aquartelamento.
Ela resistiu a estes anos todos... Em 1996, o nosso camarada Humberto Reis fotografou-a, ainda resistente, de pé, mas aparentemente já sem vida...
© Carlos Marques Santos (2005)
Excertos do Diário de um Tuga (L.G.)
Mansambo, 17 de Setembro de 1969 (1)
Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo (2), eis Mansambo (3).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Trabalhos de construção de mais um abrigo...
© Carlos Marques Santos (2005)
Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação (4).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > A tristemente célebre fonte de Mansambo, na imediações do aquartelamento... Hoje estas e outras fotos fazem-nos rir, mas também pensar e chorar: como foi possível que nós, jovens, pudéssemos viver, nos melhores anos da nossa vida, em buracos como Mansambo ou Guileje ?
Uma emboscada à viatura da água causou gaves baixas às NT, obrigando à abertura posterior de um poço no perímetro do aquartelamento...
© Carlos Marques Santos (2005)
Aqui vive-se praticamente em estado de sítio. Para ir descarregar o lixo fora do arame farpado, apanhar lenha ou encher os bidões de água a 100 metros sai-se com um grupo de combate armado até aos dentes.
A rotina, porém, leva ao afrouxamento da disciplina. Há alguns meses atrás, o grupo de combate que montava segurança à viatura da água foi surpreendida pelos guerrilheiros, emboscados junto à fonte, no momento em que alguns soldados tomavam banho alegre e despreocupadamente. Resultado: 2 mortos e 10 feridos.
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > O abastecimento de água, a partir de uma nascente local, era não apenas penoso como inseguro.
© Carlos Marques Santos (2005)
O aquartelamento tem sofrido flagelações, sem consequências. O pior são as minas e emboscadas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole (5). Todavia, o problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca.
Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné (5).
Luis Graça
(ex-furriel Miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
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Notas de L. G.
(1) No decurso da Op Belo Dia II, coluna logística do BCAÇ 2852 para as unidades de Xitole e Saltinho (17-18 de Setembro de 1969). A CCAÇ 12 participou a 2 Grupos de Combate. Chegámos a Mansambo por volta das 17:30h. Pernoitámos no aquartelamento, amontoados uns sobre os outros. No dia seguinte, a 18 de Setembro, a caminho do Xitole, a GMC do Dalot, o "melhor condutor do mundo de GMC", que ia em quarto lugar, accionou uma mina anticarro. Eu ia em 3º lugar, num Unimog… Mais um dia de sorte, para mim. Hoje penso que tive um irã a velar por mim, na Guiné… (vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969)
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > O abastecimento de água feito à mão (!), com jericãs, na fonte de Mansambo...
© Carlos Marques Santos (2005)
(2) Hoje tenho dúvidas sobre o que escrevi na época: não me parece que os nossos bunkers tanto em Mansambo como no resto da Guiné fossem à prova de canhão sem recuo. Seguramente que não eram. Tectos e paredes não eram de cimento armado. Muitos deles não passavam de buracos escavados no chão, com um tecto de rachas de cibe (tronco de palmeira) e argamassa de terra e cimento… Na melhor das hipóteses, poderiam aguentar uma roquetada ou até uma morteirada do 82! (Vd foto, a seguir, do poço do quartel, com um abrigo-casermna atrás).
(3) Em Setembro de 1969, a unidade de quadrícula estacionada em Mansambo era a CART 2339 (1968/69). Tinha um pelotão (- 1 secção) na tabanca em autodefesa de Candamã e uma secção em Afiá, no regulado do Corubal, a leste de Mansambo.
Havia ainda um esquadrão (-) do Pelotão de Morteiros 2106 e o 8º Pelotão da Bateria de Artilharia de Campanha (-) (um secção estava em Bissau).
Na ZA (zona de acção) de Mansambo incluía-se ainda o destacamento de Moricanhe (a norte de Mansambo e a sul de Dembataco), guarnecida pelo Pel Mil 145, mas retirada pelas NT, na sequência da reacção do PAIGC à Op Lança Afiada (8-18 Março de 1969) (vd. post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli ).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 >
"Depois de casa arrombada, trancas á porta"...
Depois das baixas sofridas na fonte (2 mortos e 10 feridos) foi decidido abrir um poço dentro do próprio aquartelamento...
© Carlos Marques Santos (2005)
Só no subsector de Mansambo, e até finais de Julho de 1969, a guerrilha tinha lançado uma série de acções ofensivas (para além da sua reacção defensiva à contrapenetração das NT nos seus redutos ou zonas de controlo na região compreendida entre a margem direita do Rio Corubal e a estrada Bambadinca - Mansambo – Xitole):
(i) 2 de Abril de 1969: emboscada, com mina A/C comandada, a uma secção do Pel Mil 145, na estrada Mansambo-Bambadinca, durante 15 minutos, por um grupo IN estimnado em 30 elementos, equipados com LGF, PM e espingardas automáticas;
(ii) 15 de Maio de 1969: emboscada a forças da CART 2339 na estrada Mansambo-Bambadinca, durante 25 minutos, por um grupo IN estimado em 30 elementos, equipado de LGF e armas automáticas; sem consequências;
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Vista geral dos "novos balneários": Um luxo !!!
© Carlos Marques Santos (2005)
(iii) 2 de Junho de 1969, três grupos IN não estimados flagelaram em simultâneo, durante a noite, os destacamentos de Amedalai, Dembataco e Moricanhe (os dois primeiros pertencentes ao sub-sector do Xime), utilizando um número impressionante de armas pesadas: 7 canhões s/r, 8 morteiro 82, 13 LGFog, Metralhadoras 12.7, metralhadoras ligeiras e outras armas automáticas; causaram um morto e 3 feridos entre as milícias, um morto e qutro feridos entre os civis, para além de danos materiais nas tabancas;
(iv) 11 de Junho de 1969: flagelação, à meia-noite, do aquartelamento de Mansambo, do lado oeste, durante 30 minutos, por um grupo estimado em 20/30 elementos, com canhão s/r, Mort 82, LGFog e armas automáticas;
(v) 13 de Junho de 1969: idem, mas do lado sul, e ao anoitecer…
(vi) 24 e 27 de Julho de 1969: flagelação, à distância, ao fim da tarde (cerca das 17h) do aquartelamento de Mansambo, com Mort 82;
(vii) 30 de Julho de 2005: flagelação, à distância, durante 20 minutos, do aquartelamento de Mansambo, por um grupo não estimado, utilizando Canhão s/r e Mort 82;
(viii) 30 de Julho de 1969: ataque, de madrugada, à tabanca em autodefesa de Candamã durante 2 horas e 20 minutos (!), por um grupo estimado em 80/100 elementos, utilizando 2 Canhões r/s, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Metralhadoras Ligeiras e Granadas de Mão Defensivas, causando 5 feridos (um grave) às NT, 2 mortos e diversos feridos à população civil (três dos quais graves)
(ix) 11 de Agosto de 1969: flagelação a Candamã, àss 19:00h, durante 5 minutos, sem consequências;
(x) 15 de Agosto de 1969: ataque, às 5:00h da manhã, à tabanca em autodefesa de Afiá, durante 30 minutos, e à distância de 500 metros do arame farpado, por um grupo estimado em 80/100 elementos, utilizando Canhão r/s, Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada e Metralhadoras Ligeiras causando 3 mortos e 9 feridos (um grave) à população civil;
(xi) 21 de Agosto de 1969: forças da CART 2339 detectam e levantam 9 minas antipessoais na região do Rio Bissari; ao mesmo tempo, accionam um mina A/P reforçada, causando um morto (guia nativo) e cinco feridos (um grave) às NT;
(3) Gadamael e Guileje eram, para além de Madina do Boé (abandonado em Fevereiro de 1969) os aquartelamentos do sul de que mais se falava, nesta época, em Bambadinca; o nome de Gandembel também era referido; havia canções que evocavam estes nomes já míticos e que serviam para assutar os periquitos…
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Nem os amuletos ou mezinhos nos carros dos Viriatos (neste caso, um par de cornos...) os livraram de minas e emboscadas...
© Carlos Marques Santos (2005)
(4) No dia seguinte, 18 de Setembro, uma coluna logística do BCAÇ 2852, uma viatura GMC da CCAÇ 12, com três toneladas de arroz, iria accionar uma mina anticarro, junto á ponte do Rio Jago, no troço Mansambo- Xitole (Xime 8 A 5 – 36) Este itinerário estava interdito desde Novembro de 1968. A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores que seguiam na frente com 2 Grupo de Combate.
Dias depois, a 29 de Setembro de 1969, forças da CART 2339 (6) sofrem um morto e um ferido grave, na sequência de um emboscada, levada a cabo por um grupo estimado em15/20 elementos, às 06:50h, na estrada Mansambo-Bambadinca n(Xime 8B 4 -72). Na emboscada, que durou 15 minutos, foram utilizados LGFog, Mort 60 e armas automáticas.
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Nicho de Nossa Senhora num dos abrigos do aquartelamento...
A fé (cristã) também ajudou muitos dos nossos camaradas de armas a suportar as duras provações da guerra...
© Carlos Marques Santos (2005)
(5) Assisti aqui em Mansambo, em data que já não posso precisar (ou melhor: não quero, para não comprometer o bom nome dos nossos antigos camaradas) , a uma cena que - julgo eu - não seria não rara quanto isso, no TO da Guiné, em resultado do stresse de guerra, e que me impressionou vivamente: no final de uma operação, no regresso ao quartel, um comandante de unidade chamou um dos operadores de transmissões que terá cometido um erro qualquer no decorrer da operação e “enfiou-lhe um enxerto de porrada”, daquela de criar bicho… Assim, sem mais nem menos, a quente, à frente dos seus homens e de alguns graduados da CCAÇ 12… Constava que também não eram raras as cenas de pugilato entre esse capitão (miliciano!, se a memória me não atraiçoa...) e os seus sargentos e alferes…
(6) Mensagem (posterior) do Humberto Reis:
Carlos Marques
Bem vindo a esta Tertúlia. Lembro-me tão bem da 2339. Fizemos algumas, e não foram poucas, operações juntos. Eu na CCAÇ 12 e tu na 2339. Tenho um slide na minha colecção que tirei a um dos Unimog com pessoal da 2339, ainda estacionado na pista em Bambadinca, quando em Dezembro de 1969 vos escoltei até ao Xime (vocês a virem embora e eu cheio de inveja de ter de ficar e alinhar para o mato).
Infelizmente só me lembro de um nome da vossa companhia exactamente por ser parecido com o meu. Era o furriel miliciano Rei. Sabes alguma coisa deste amigo?
Um abraço e Bom Ano de 2006
Humberto Reis
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