23 fevereiro 2006

Guiné 63/74 - DLXXVII: Corvacho, um capitão de Abril (A.Marques Lopes)



Caros camaradas:

O meu grande apreço e sensibilização pelas palavras do camarada José Neto para com o "seu capitão" Eurico Corvacho.

Ele foi o militar do MFA, então major, a quem Otelo Saraiva de Carvalho, no dia 16 de Abril de 1974, deu a missão de dirigir o Agrupamento Norte, "November" (CICA1, CICA2, CIOE, RI10, RI14, RAP2, RAP3...) para a revolução. E às 03H30 do dia 25 de Abril o QG da, então, Região Militar do Porto foi tomado. Foram também forças do Agrupamento Norte que cercaram o forte de Peniche.

O alferes Eurico Corvacho, um transmontano de Torre de Moncorvo, foi para Angola em Junho de 1961, onde esteve até Setembro de 1965, e aí sendo promovido a tenente e capitão. Foi para a Guiné em Novembro de 1966, até Setembro de 1968. De Setembro de 1970 a Outubro de 1972 esteve novamente em Angola. Daí regressado, foi colocado no QG da Região Militar do Porto como comandante da CCS e do Esquadrão de Polícia Militar, onde foi o primeiro a dinamizar uma nova classe de defesa pessoal, o soshinkai, de cuja associação chegou a ser presidente.

Em Janeiro de 1974 foi graduado no posto de Major e, após o 25 de Abril, foi nomeado Chefe do Estado-Maior da Região Militar do Porto, tendo sido graduado em coronel em Dezembro de 1974. Assumiu o Comando Interino dessa Região Militar em Abril de 1975, altura em que foi graduado em brigadeiro. Foi desgraduado destas funções em Setembro de 1975, durante as convulsões preparatórias do 25 de Novembro. Passou à reserva a 24 de Janeiro de 1981 e à reforma em Janeiro de 1992.

É condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª Classe, com o grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Aviz e com a Medalha de Prata de Comportamento Exemplar.

Dou estes dados para complementar a "fotografia" tão fielmente tirada pelo José Neto. E ele sempre mostrou aquilo que este nosso camarada viu nele. Eurico Corvacho foi sempre um homem coerente, frontal nas suas opiniões, com um humanismo e uma honestidade a toda a prova e um combatente empenhado pelos ideais do 25 de Abril. Por isso, é verdade, foi um homem controverso para todos os que não apreciavam a sua coerência e honestidade.

Acrescento a minha simpatia e admiração por esta figura, infelizmente, agora, com saúde débil.

Abraços

A. Marques Lopes

Comentário de L.G.:

O meu obrigado (meu, mas também nosso, da nossa tertúlia), ao Zé Neto e ao A. Marques Lopes, pelo depoimento sobre uma extraordinário e discreto camarada da Guiné que honrou as melhores tradições das forças armadas portugueses e foi um exemplo de verticalidade moral, competência profissional e honestidade intelectual. Se ele nos puder ler (ou se alguém puder transmitir-lhe os nossos desejos), aqui vão as nossas melhores saudações e votos de coragem para enfrentrar mais esta dura batalha contra a doença... É bom que ele saiba que há camaradas que com ele privaram e que muito o admiram e estimam.

1 comentário:

PFGFR disse...

É incrível como se branqueia uma personagem destas. Há vários testemunhos sobre o que esse sádico torcionário do Eurico Corvacho fez no Porto a quem não alinhava pela cartilha comunista. Jovens do CDS e do PSD foram espancados e presos por colarem cartazes.O CEME acabou por fazer um inquérito, cujas conclusões foram divulgadas naquele que ficou conheciido como o "Relatório das Sevícias". Cito Rui Moreira, em artigo escrito no Público:
"Diz o relatório que em Março de 1975 foram presos, na cidade do Porto, militares e civis que, "na opinião do Comando da Região Militar do Norte, pertenceriam ou colaborariam com o Exército de Libertação Português, e que teriam ligações com os implicados nos acontecimentos do 11 de Março". Ouvidos os queixosos e os intervenientes nas prisões, a comissão apurou que as detenções foram efectuadas por militares, predominantemente em traje civil e não militar, sem que tivessem sido exibidos os mandados de captura ou a sua identificação; que os presos estiveram sujeitos a longos e injustificáveis períodos de prisão preventiva em regime de incomunicabilidade extensivo a contacto com advogado; que o regime prisional, a que estiveram sujeitos na cadeia de Custóias, e determinado por Corvacho, apesar de se tratar de um estabelecimento civil, era "completamente anormal, com ausência de recreio durante longos períodos, com vigilância exercida por um preso do foro comum, com a proibição de assistência médica, tudo se tendo conjugado para provocar perturbações físicas e psíquicas nos detidos"; que havia indícios de que, nos interrogatórios, nunca passados a escrito, foram utilizados "métodos de intimidação, provocação, ameaças e insultos". A comissão não pode comprovar, porque os militares o negaram, as acusações de que foram praticadas violências físicas durante os interrogatórios, e os simulacros de fuzilamento relatados pelos detidos.

O meu Pai foi uma das vítimas de Corvacho, e da sua inventona. Foi preso no dia 12 de Março, na sede da sua empresa, onde permaneceu, apesar de ter sido avisado que iria ser detido, porque não tinha razões para fugir. Viu os seus bens congelados, a empresa ocupada, a casa de família atacada por bandos armados. Sofreu as tais sevícias que os corajosos carcereiros sempre negaram, que lhe deixaram marcas físicas e psicológicas para o resto da vida. A família foi alvo de tentativas de extorsão por parte de militares, que prometiam a sua libertação a troco de dinheiro. Em Junho de 1975, centenas de trabalhadores da sua empresa, a Molaflex, manifestaram-se junto ao Quartel-General, exigindo a sua libertação. A manifestação foi reprimida, e o meu Pai foi transferido, em segredo, para Caxias, sem que a família tenha sabido, durante semanas, do seu paradeiro. Nunca foi acusado de nada, certamente porque nunca nada fez, e foi libertado em Novembro desse ano por Pires Veloso, esse sim um militar exemplar."

Ou seja, há que não branquear um crápula. Porque um crápula não passa a santo só porque morreu. Que Deus lhe perdoe no Céu, porque na terra o que esse nojento fez é imperdoável.