26 março 2006

Guiné 63/74 - DCLIII: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

Mensagem da Nela (Manuela Gonçalves) (de quem eu disse há dias, no Dia Internacional da Mulher, que não fazia mas devia fazer parte da nossa tertúlia, juntamente com o seu marido) (*):

1. Já tinha colocado o post 4 quando visitei o blog e escrevi o post 5. O meu marido era na altura o Alferes Miliciano Nelson Gonçalves. Obrigado por me considerar Tertuliana, mas, de facto, enquanto eu gosto de escrever, ele detesta. Quem sabe se o virá a fazer! (**)

Saudações amigas

Blog > Caminhos por onde andei > Post: Guiné- Bissau (5)

2. Com a devida vénia reproduz-se aqui esse post, datado de 25 de Março de 2006:

Na minha visita habitual ao Blogue-fora-nada , acabei por mudar de caminho e bater à porta do Africanidades, onde entrei, mesmo sem licença, e soube, pelo que é possível saber, da explosão de uma mina na zona de São Domingos.

O flagelo das minas continua e não sei mesmo se muitas delas não serão ainda daquelas que foram colocadas na guerra colonial. A coincidência transportou-me até Novembro de 69.

Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então (***).

Antes como agora, aquela estrada era perigosa, antes como agora aquela estrada era a única via de saída e/ou entrada na região do litoral, antes como agora, parece, que a principal preocupação dos comandos era e é cortar a possibilidade de fuga às populações!

Antes como agora morrem soldados, fogem populações que não querem a guerra, que estão cansadas de lutas, de morte, de fome, de pobreza! Até quando a dor e o sofrimento? Até quando as minas nas estradas? Até quando?

Nela

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. post de 8 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXVIII: Dia Internacional da Mulher (6): a guerra no feminino (Manuela Gonçalves)

(**) Cara amiga: Infelizmente ainda são poucas as mulheres que lêem e sobretudo escrevem neste blogue. Contam-se pelos dedos da mão as nossas tertulianas. Pelo que a Nela é bem vinda. Não há razão para não ser tertuliana, de jure e de facto. Já o é. Ou passa a ser automaticamente. Por muitas razões: (i) pelo seu maridão ter ido connosco, no mesmo navio, o N/M Niassa, em Maio de 1969, para a Guiné; (ii) por você ter, heroicamente, acompanhado a sua convalescença no Hospital Militar de Bissau à distância de milhares de quilómetros; (iii) por você ler o nosso blogue regularmente; (iv) por ter, tal como todos nós, uma grande paixão pela Guiné e pelo seu povo; (v) por ser uma mulher de armas... e, ainda por cima, ter sentido de humor, a avaliar pelo delicioso endereço do seu e-mail...

Bem vinda, Nela! Ou melhor: sê bem-vinda, que os camaradas e amigos da Guiné tratam-se todos por tu!

(***) O capitão Pedro Rodriguez Peralta, capitão do Exército Cubano, de 32 anos, instrutor ao serviço do PAIGC, foi gravemente ferido a 18 de Novembro de 1969, no corredor de Guileje, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, no decurso da Op Jove, conduzida por forças paraquedistas e destinada a capturar o próprio 'Nino' Vieira. Enviado para Lisboa, só depois do 25 de Abril de 1974 é que o capitão Peralta é libertado.

Fonte: Policarpo, F. - Guerras de África: Guiné, 1963-1974. Matosinhos: QuidNovi.2006. 102. (Batalhas da História de Portugal, 21).

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