29 março 2006

Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)

1. Texto do Manuel Mata:

Caro Luís Graça

Volto à questão do Teófilo ser ou não um presumível informador da PIDE/DGS... Não creio! (Com o devido respeito, e que me perdoe a família por estar a referir o seu nome e passagens do meu convívio com o seu familiar, mas são memórias de uma época que gosto de partilhar embora com alguma imprecisão, já que vão decorridos 36 anos, e os neurónios por vezes já não respondem a 100%).

O Esq Rec Fox 2640 (1) tinha um sistema rotativo do serviço de vagomestre, à messe de Oficiais e de Sargentos. No mês que coube ao 1º Sarg Mecânico (já falecido), as refeições ao longo das primeiras semanas foram quase sempre à base de peixe do rio, pescado na zona de Sonaco, a nordeste de Contuboel.



Guiné > Sonaco > Rio Geba > A pesca à granada... Na foto o Manuel Mata (à esquerda) © Manuel Mata (2006)


Eu levava granadas defensivas ou ofensivas que eram posteriormente justificadas em combate, questão que o 1º Sargento resolvia para que eu não tivesse problemas com o Comandante do Esquadrão. Lá seguíamos nós (ele, a esposa, o filho de 3 a 4 anos de idade e eu por vezes),numa Peugeot de caixa aberta e, chegados a Sonaco, dois Guineenses com canoas conduziam-nos pelo Rio...Granada aqui, granada acolá, lá vinha o peixe à tona da água, mergulhava um dos guias para apanhar o peixe...

Um certo dia, o pessoal do Esquadrão já estava saturado... O Comandante, Capitão Fernando Vouga, mandou que se atirasse tudo ao lixo e exigiu cabrito para o almoço. E assim foi! Nesse mesmo dia, passei pelo café do Teófilo, fez-me logo o comentário:
- Então, o mecânico não se contenta só com o que rouba ao civis na reparação das viaturas!? Vai pagar tudo!

O Esquadrão teve em determinada altura algumas armas de caça automáticas, de cinco tiros, que o pessoal podia requisitar para os seus tempos de lazer. O 1º Sargento mecânico era um dos elementos que as utilizava para a caça nocturna.

Uma noite, em que por casualidade o não acompanhei, foi coadjuvado pelo 1º Cabo Cozinheiro, cerca das 24 h, ao tentar regressar à viatura com o carregamento de lebres, o guia diz estar desorientado e não saber onde se encontrava a carrinha. O sargento deu-lhe algum tempo para se orientar na mata. Este continuou a dizer que não conseguia ir ter à carrinha. O sargento apontou-lhe a espingarda à cabeça e disse:
- Ou encontras já o transporte ou disparo! - O rapaz lá seguiu e, mal dada uma meia dúzia de passos, eis a carrinha à sua frente.

Guiné > Bafatá > 1970 > O milagre dos peixes...

© Manuel Mata (2006)

Posteriormente, passo pelo Café do Sr. Teófilo (parece que o estou a ver de bengala na mão, sentado na sua cadeira de braços, do lado esquerdo da porta do café)... Quando pus o pé no patamar, disse-me logo em voz baixa:
- Então o teu amigo mecânico ontem à noite ia ficando na caça?
Observei no mesmo tom:
- Como sabe? - Respondeu:
- Já te disse que sei tudo - e acrescentou:
- Não perde pela demora! - Semanas mais tarde, estando o 1º Sargento em casa, entre as 21 e as 23 horas, de um determinado dia, bateram-lhe à porta dizendo:
- Foge com a mulher e o menino, eles vêm para te matar!.

Não foi, por o Teófilo ser um presumível informador da PIDE/DGS, como se dizia, mas por haver fortes duvidas, quanto à sua ligação ao PAIGC, e ao mesmo tempo viver num bairro onde viviam elementos do IN, que chegou a estar tudo de prevenção em Bafatá, com o material bélico apontado para a zona, incluíndo o Pelotão de morteiros sediado no Batalhão, para queimarem a área... Felizmente imperou o bom senso.

Não creio que o Teófilo fosse um informador [da PIDE/DGS] mas socorria-se desse subterfúgio para camuflar outras facetas.

Falando em PIDE/DGS, recordo um elemento que estava em Bafatá, muito activo, de quem não me recordo o nome, mas penso ser da área de Castelo Branco: conseguiu descobrir (sempre andando na sua bicicleta) onde o pessoal do IN se reunia numa tabanca próximo da Ponte Salazar, no Rio Geba. Várias vezes o vi fazer o percurso da pista de aviação com destino a essa tabanca. Certo dia comentei com o Teófilo esta situação. Resposta curta e directa:
- Esse não sai de cá com vida! - Algum tempo depois, na referida tabanca, o pessoal reunido, lá aparece o elemento da PIDE/DGS, deram-lhe tanta pancada que foi evacuado de helicóptero...Por sorte, passava nesse momento o jipe da patrulha, o que levou os agressores a fugir e a aparecer gente para socorrer a vítima.

Comentário do Sr. Teófilo após o acontecimento:
- Eu não te disse? Já pagou! - Acrescentei eu:
- Sabe que o indivíduo já me tinha convidado para ingressar na PIDE/DGS, ele fazia-me o requerimento ao Director Rosa Casaco e eu quando regressase a Lisboa entrava logo ao serviço (claro não era serviço que se coadunasse com a minha forma de ser e de estar na sociedade)... O Teófilo ficou furioso e fez o seguinte comentário:
- Esse porco já teve o que merecia!

Foram estas situações, vividas e outras, que sempre me levaram a acreditar na sua inocência nesse campo, tanto mais que por vezes me dizia:
- A coluna que se realiza no dia x vai ser emboscada... - E era fatal como o destino. Quando foi o ataque a Bafatá, ele já o tinha previsto, umas semanas antes.

Manuel Mata

2. Comentário de L.G.:

Manuel Mata:

Estes elementos são preciosos... Eu nunca insinuei que o Teófilo fosse da PIDE/DGS... Pelo contrário, ele deveria ser contra a situação (o regime político então vigente desde 1926), só assim se explica que ele tivesse sido deportado para a Guiné no princípio dos anos 30... Nalguns sítios (como Bambadinca, que eu conheci melhor) havia a suspeita de os comerciantes locais serem também informadores da PIDE ou jogarem com um pau de dois bicos... Eu oenso que, aos olhos da tropa, isso devia acontecer em todos os os postos administrativos e localidades de menor importância onde houvesse comerciantes (portugueses, caboverdianos ou libaneses)...

Essa estória do PIDE que levou porrada numa tabanca (iam-lhe cortando o nariz, à dentada) ouvia-a eu ao próprio, em Bafatá, creio que na Transmontana... Hei-de contá-la aqui, um dia destes. Lembro-me que de ouvir a conversa dele (eu, incomodado, com a presença deles, numa mesa de alferes e furriéis milicianos de Bambadinca)...O fulano - que, se bem me lembro, falava alemão, por ter sido imigrante, com os pais, na Alemanha - estava lixado com o Spínola, por que na época (c. 1970) já não se podia fazer justiça pelas mãos próprias como nos bons velhos tempos do colonialismo...

Uma última pergunta: alguma vez vistes os pides locais frequentarem o café do Teófilo ? Pelo que me contas, ele não gostava mesmo deles, o que vem confirmar a minha teoria de ser o Teófilo um velho antifascista... (ou do reviralho, como diriam os pides). Infelizmente não tive com ele a mesma intimidade que tu tiveste!

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Nota de L.G.

(1)Vd. post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)

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