21 outubro 2003

(Ex)citações de cada dia - IV: O tabaco que mata (a) gente

1. O tabaco avisa que o Governo faz mal à saúde" (ditado brasileiro)

O programa Prós e Contras, da RTP1, juntou ontem amigos e inimigos do tabaco que mata (a) gente. Alguns esperavam sangue. Mas a discussão foi, no mínimo, civilizada.

Não tenho tempo para aqui tabaquear o caso. Retenho apenas algumas ideias da generalidade da discussão. E uma delas, sublinhada na excelente síntese final feita por esse grande jornalista que é o Adelino Gomes, refere-se justamente à questão da (in)tolerância a que eu sou particularmente sensível.

De um modo geral, os ex-fumadores têm uma atitude mais aberta, compreensiva e até cúmplice, em relação ao povo que fuma. E recusa-se a entregá-lo, simbolicamente, ao pelotão de fuzilamento. Quem fuma sabe o mal que faz a si próprio (mas, curiosamente, não está tão alertado para os perigos do tabagismo passivo...). A campanha publicitária em curso foi pensada por um espírito totalitário (no mínimo, um healthista, daqueles que não conseguem operar a distinção entre a saúde, a liberdade e a felicidade), mesmo que por detrás das suas motivações estejam as melhores intenções do mundo (do que muita gente tem dúvidas).

Gostei da análise da Vera Nobre (uma grande senhora!), a qual veio alertar para os possíveis efeitos perversos de uma campanha que se dirige à população em geral, sem se preocupar com a sua segmentação. É contra todas as regras da eficácia em comunicação & marketing. Para os adolescentes e os jovens, a mensagem "o tabaco mata" pode ser contraproducente, dada a contra-cultura deste grupo etário, que é a cultura do risco, da provocação, da afirmação contra os cotas, o sistema...

Teria, de certo, outro impacto uma campanha pela positiva, usando modelos de referência (o ídolo do rock, o grupo, o líder...). Um adolescente não decide não começar a fumar (ou deixar de fumar) só porque "tabaco mata" mas sim por que no seu grupo de pertença e de referência fumar não é socialmente aceite...

Tive o prazer de (tele)rever o meu amigo Edmundo Sá. Congratulo-me pelos desenvolvimentos que o projecto da "aldeia sem tabaco" teve neste último ano e meio em Vila Verde de Ficalho. E aplaudo, mais um vez, o trabalho que se está ali a fazer com as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos... Não é fazer "para" nem muito menos "contra" os que fumam, por parte dos que não fumam... É, sim, fazer “com e através de” todos. Essa é a grande diferença entre a promoção da saúde e o resto (a propaganda, a manipulação, o controlo social, por exemplo)...

Mas no final (e isso era importante que passasse na caixinha-que-mudou-o-mundo) os portugas foram para a cama com a pesada (?) consciência de que o tabaco também mata, que mata (a) gente, que mata muita gente, pelo que é hoje um dos nossos grandes problemas de saúde pública... Agora, não ponham, por favor, tudo o resto entre parêntesis! Concordo que tirem a chupeta ao Zé Povinho (Alfredo Saramago), e mesmo que isso custe mais de 250 milhões de contos ao Estado... Concordo, na condição de lhe darem algo muito melhor (Eng. Luís Coimbra) (cito de cor as palavras de um e outro).

As outras intervenções vou não comentá-las, por economia de análise. Registo apenas o que o psiquiatra Carlos Amaral Dias disse: há uma lamentável confusão entre adição e dependência, o tabagismo não é uma toxicodependência e a prova disso é que há muita gente que consegue, pelos seus próprios meios, deixar de fumar. O médico falou em 90% dos cerca de 50 milhões de americanos que desde os anos 60 deixaram de fumar (cito de cor)...

2. A Aldeia sem Tabaco

Aproveito para reproduzir aqui, com a devida vénia, os versos que foram lidos na cerimónia realizada na Junta de Freguesia de Vila Verde de Ficalho, em 13 de Março de 1999, já lá vão mais de quatro anos, e que deram início a uma história bonita que merece ser contada e divulgada... Os versos (paternalistas...) são da autoria do Prof. Dr. Políbio Serra e Silva, personalidade que na altura representou a Fundação Portuguesa de Cardiologia. Outros poetas (locais) também já puseram em letra de forma esta coisa de a gente querer proteger e promover a nossa saúde, porque ela, a saúde, também é condição necessária para sermos livres e felizes.

Em Vila Verde de Ficalho

1
Para um ambiente novo
Eu, que poucochinho valho,
Vou recomendar ao Povo,
Em Vila Verde de Ficalho.

2
Substituindo o cigarro
Pelo azeite e pelo alho,
Deixará de haver pigarro
Em Vila Verde de Ficalho.

3
Trocando a fumigação
Pela sardinha e o rodovalho,
Não há cancro do pulmão
Em Vila Verde de Ficalho.

4
E, sem cancro do pulmão,
O ferreiro bate o malho
Pois não há poluição
Em Vila Verde de Ficalho.

5
E em sofrer do coração
O povo, junto ao borralho,
Tem boa circulação
Em Vila Verde de Ficalho.

6
Sem doenças das artérias
Estou certo que não falha
Acabarão as misérias
Em Vila Verde de Ficalho.

7
E serão verdes os montes
As árvores até ao galho
E pura a água das fontes
Em Vila Verde de Ficalho


8
Toda a gente salta o muro
Vindo por estrada ou atalho
Para respirar ar puro
Em Vila Verde de Ficalho.

9
E então sem poluição
Ficará como um retalho
Na História da Prevenção
Em Vila Verde de Ficalho.

10
Pois sem o fumo que perde,
Apta para o trabalho,
Continuará sempre verde
Vila Verde de Ficalho.

Políbio Serra e Silva
(a 13 de Março de 1999, data da proclamação de Vila Verde de Ficalho – Aldeia Sem Tabaco)

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