20 outubro 2005

Guiné 63/74 - CCL: Cooperação, caridade ou negócio ? (1)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca (2001): Uma escolinha...

© David J. Guimarães (2005)


1. Texto do João Tunes:

Camarigos e estimados tertulianos,


Lembrei-me hoje, ao ler um dos Projectos dos amigos da AD, que está a ser desenvolvido em parceria com cidadãos da localidade espanhola de Elx, se esta não era uma boa inspiração para que a nossa Tertúlia promovesse um projecto semelhante com crianças guineenses de uma qualquer localidade da Guiné-Bissau (a escolha seria da AD porque seria necessário o apoio deles no terreno e eles é que sabem quem mais necessita, quem estaria lá receptivo, fazerem a selecção e as linhas com que se cosem os seus meios logísticos).

Que tal, por 6 euros/mês (ou quantia próxima disso), cada um dos tertulianos ser padrinho de uma criança guineense para a ajudar a tirar o ensino básico, acompanhando-a depois nos seus estudos e no seu crescimento? Que melhor recompensa para nós, todos com idade (e alguns já com a prática) de avôs, de termos um afilhado cujo melhor futuro seria uma boa forma de memória da nossa passagem pelas bolanhas daquela terra que nos ficou entranhada no pensamento?

E se a solidariedade (meritória!) de cidadãos de uma terreola espanhola chega até este nobre fim, quem somos nós menos para vencermos a inércia e nos dispormos a passar das boas intenções às boas acções? Nos nossos quartéis na Guiné, dávamos os restos de comida do rancho à criançada da tabanca que formava filas ordeiras com as suas latas na mão para recolherem o que já não nos cabia nas barrigas. E julgo que todos nos comovíamos com isso, sobretudo aqueles olhos muito abertos e alguns de nós, entre a pequenada, ia escolhendo o seu favorito e amigo especial. Ajudar uma criança guineense de hoje não seria uma boa forma de voltarmos a fazer aquilo que, se calhar, foi do melhor que por lá fizemos e nos deixaram fazer.

Deixo esta proposta aberta à discussão e democrática decisão dos camarigos tertulianos. Caso se aprovasse a ideia, seria de contactar a AD para saber a melhor forma de a concretizar.



Abraços a todos. João Tunes


2. Transcreve-se a notícia do Projecto de apoio de Elx às crianças de São Domingos:

"Um grupo de cidadãos de Elx, Alicante, Espanha, decidiu em 2005 organizar-se para apadrinhar crianças guineenses da cidade de S.Domingos, garantindo um apoio aos seus estudos, contribuindo mensalmente com uma pequena quantia para cada criança (6 euros).

"Este fundo será exclusivamente utilizado na compra de material escolar, pagamento dos professores, outras despesas escolares, equipamento de ginástica (sapatilhas, t-shirts, etc.), roupa pessoal (camisas, sapatos e calças) e, em caso de doença, a compra de medicamentos.

"Por sua vez, os pais destas crianças criaram uma Associação dos Afilhados de Elx, a qual determinará a utilização do fundo e fará a gestão do mesmo em estrita observância para os fins a que se destinam. Os seus sócios obrigam-se a um acompanhamento muito seguido dos estudos e vida escolar dos seus filhos.

"Numa fase inicial o número de crianças apadrinhadas é de 16, embora as perspectivas sejam de que, a partir de Outubro deste ano, o número venha a aumentar.

"Foram feitas 16 fichas individuais das crianças, com as respectivas fotos e uma descrição dos seus principais dados, às quais cada padrinho tem acesso, bem como as fotos do seu afilhado acompanhado dos pais." (Fonte: AD - Acção para o Desenvolvimento).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 2001: Meninos da escola...

© David J. Guimarães (2005)



3. Resposta do Humberto Reis:

João Tunes e restantes camarigos (não sei porquê não gosto deste termo
camarigos)

Por mim plenamente de acordo. Eu, pessoalmente, envio com alguma periodicidade material escolar, esferográficas, lápis, canetas, blocos de papel A4, borrachas, etc. (até já enviei compassos) para a escola de Bambadinca, à atenção do professor de lá, que conheci em 1996 quando revisitei aquela terra mítica. É para Bambadinca, como poderia ter sido para Binta, ou Contuboel, ou Sangonhã, ou Cacoca, ou qualquer outro lugar, visto que são todos tão pobres.

O Paulo Salgado (que tive a enorme alegria de conhecer e abraçar quando ele há dias partiu para Bissau) que está lá sedeado é que vê como é aquela miséria. Acontece que, e falo por mim, tenho laços mais afectivos com aquela Bambadinca, onde passei bastante tempo da minha comissão [como furriel milicianod a CCAÇ 12, 1969/71], do que com qualquer outro lugar (Xime, Saltinho, Madina Xaquili, etc. e tantos outros por onde passei).

A escolha da localidade é bastante difícil pois todas elas sofrem do mesmo mal de FALTA DE TUDO. Admito que alguns portugueses, mas muito poucos, tivessem sido "aprendizes de colonialistas" na Guiné (colonialistas, na verdadeira acepção da palavra, só existiram e continuam a existir, os ingleses).

Uma coisa é certa, e confirmei isso quando lá voltei em 1996, no nosso tempo, em que fomos alcunhados de "colonialistas e exploradores", as populações com quem nós contactávamos, que estavam sob a nossa jurisdição, não passavam as privações que agora passam. Não vi como eram as condições dos combatente do PAIGC, por isso não me pronuncio sobre elas. Os chamados "do lado de cá" ainda iam tendo uns cuidados de saúde, de comer, de beber (e por vezes de que maneira).

A título de exemplo refiro que:

(i) em 1996 tive de comprar gasolina no mercado negro em Bafatá pois no posto de abastecimento não havia;

(ii) o hospital não tinha luz eléctrica pois não havia gasóleo para o grupo gerador (foi exactamente por causa de um projecto de energias alternativas que eu voltei à "nossa" Guiné).



Agora o que é que eles têm? Liberdade para comer e beber o que não há? Obrigadinho, Oh Chico, mas disso não quero. Liberdade para falar, comentar, etc. é que talvez já não seja a mesma coisa. Vejam o que se passou comigo quando quis comprar as cartas da Guiné em que tive de obter uma autorização da embaixada. E em Bafatá que não me permitiram fotografar sequer a zona exterior do antigo esquadrão de cavalaria (não queria fotografar o interior do que é agora o aquartelamnto das forças militares). Enfim tínhamos aqui estórias para contar até vir a mulher da fava rica.
O melhor é escolher uma povoação e avançar-mos sem preconceitos e ajudar aquela gente, que bem precisa. Na minha opinião, seja qual for o tipo de ajuda que consigamos, temos de ter alguém no terreno que controle os donativos e não permita os habituais desvios de material, equipamento, ou dinheiro (a miséria é tão grande que é fácil as pessoas serem corrompidas tal como vemos todos os dias nos meios de comunicação social).

A minha opinião está dada. Um abraço à rapaziada

Humberto Reis

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