Vários tertulianos - para já, o A. Marques Lopes, o Afonso Sousa e o João Tunes - manifestaram-se a propósito da notícia da morte de um dos nossos soldados, no Afeganistão (1). Aqui ficam os seus comentários. O texto e o contexto justificam a sua inserção no nosso blogue.
1. Texto do A. Marques Lopes (de 18 de Novembro de 2005, que circulou por e-mail, pela tertúlia)
Morreu um soldado português no Afeganistão (foi um sargento) e dois ficaram feridos (um em estado grave, já sabemos o que isso quer dizer...). Foi com uma mina. Onde é que já ouvimos... e vimos isto, nós os veteranos de guerra?...
Primeira questão:
- No Iraque não morreu nenhum GNR, mas no Afeganistão morreu já um soldado portugês; missões diferentes? cuidados diferentes? Uma coisa é certa: a condição do militar é poder ser morto no desempenho da sua missão. Mas há quem continue a não perceber (ou não querer perceber) esta particularidade, merecedora de mais respeito e atenção, e contrapartidas adequadas.
Segunda questão:
- Todos nós estivemos nesta condição na Guiné, voluntária ou involuntariamente, consciente ou inconscientemente; estivemos para defender o que os governantes da altura chamaram os interesses de Portugal, também voluntária ou involuntariamente, também conscientes ou sem nenhuma consciência disso. Teve que ser, que remédio, já passou, e vamos falando disso. A maior parte lamenta-se, e bem, porque não lhes estão a reconhecer essa condição(imposta, na altura).
Terceira questão:
- Os interesses eram claros para nós (embora contestados) em Angola, Guiné e Moçambique. Mas quais são os interesses em jogo no Afeganistão (país charneira naquela região da Ásia, estrada dos pipe-lines que ligam às repúblicas asiáticas da ex-URSS, e produtoras de petróleo) ou no Iraque (fonte quase inesgotável de petróleo)? Neste aspecto, não é claro que sejam interesses de Portugal, e há outros com todo o interesse.
Quarta questão:
- Estamos em alianças com estes e temos que cumprir as nossas obrigações de aliados. Morremos a cumpri-las. E eles? A nossa frota pesqueira, a nossa agricultura e a nossa indústria são destruídas para podermos comprar os seus produtoa nos hiper e supermercados de Portugal; o nosso desemprego sobe exponencialmente, porque os nossos aliados deslocam a s empresas para onde há mão-de-obra mais barata (mas o nosso governo está a trabalhar para corrigir esse problema, é verdade...)...
Vou dar de beber à dor, adeus.
A. Marques Lopes
2. Comentário do Afonso M. Ferreira Sousa (também com a data de 18 de Novembro; circulou apenas por alguns e-mails de nós):
Tudo claro como a água, mais não pode ser !
Mas os contestatários de outrora (e bem)...foram, muitos deles, os governantes ou timoneiros neste caminhar de 31 anos !...
Afinal como é ?!
A mesma detracção que tentaram (*) lançar-nos, continua infelizmente a gerar, para o futuro, companheiros no "demérito injusto e vergonhoso".
(*)...e fico só com esta: TENTARAM (salvo mais avalizada opinião)
Um abraço
Afonso Sousa
3. Texto do João Tunes (de 21 de Novembro de 2005; não circulou, por e-mail, pela tertúlia)(2):
Leio isto e percebo isto:
"Estive na guerra, vi morrer amigos meus e quando morre um soldado ou um militar português, seja onde for, evidentemente que isso deixa de luto todo o país e nos deixa de luto a todos nós" (Manuel Alegre, sobre a morte em combate do Sargento Comando João Paulo Roma, no Afeganistão).
Eu que também estive na guerra, contra a guerra, fazendo a guerra, a mando de um ditador parado no tempo, sob o comando de um actor feio como a noite mas maníaco de poses prussianas e disfarçado de general com um vidro redondo empoleirado teatralmente num olho, vergado sob o peso dos colonos - mais que os dali, da Guiné, os de Moçambique e de Angola (as jóias da coroa) - que cada um de nós trazia às cavalitas para afastarem com chicote e para longe, um chicote afiado pelos pides, a pretalhada na sua terra, eu entendo-o bem.
Naquelas circunstâncias, ali parados para matar e morrer, sair vivo da merda, dos cus de judas, um camarada é camarada, é muito mais que patrício ou mesmo irmão, até que o mais amigo, o melhor amigo.
Um camarada de armas na guerra é alguém que perdemos, ou podemos perder, nos braços, na força da juventude, sabendo que foi a pura sorte que evitou o inverso - sermos, nós, tripas ao léu, a dizermos-lhe "estou fodido, eu sei que estou fodido, foderam-me, estou mais que fodido, foda-se, diz por mim à Luísa que, agora que estou fodido, estou a pensar nela, só penso nela!". Um camarada de armas, na guerra, é um pedaço de nós, alguém que morre no nosso lugar ou a quem nos pode calhar morrermos no lugar dele.
Este sentido, que a paneleiragem pacifista-folclórica não entende, não pode entender, perdura perante um qualquer nosso morto em combate, ontem, hoje e amanhã. Ficamos sempre com a sensação que ele lerpou no nosso lugar. Eu não sei quantos entenderam as palavras de Manuel Alegre. Porque se entendessem, se calhar não entendem e preferirão - talvez - o "amigo da Unita" ou o "cara de pau", o candidato que apoio - o Presidente de Palavra e das Palavras - ganhava logo à primeira volta. Limpinho, porque um gajo teso e de alma límpida, que mantém, assim, esta camaradagem do tempo de guerra é o homem de sentimentos e sensibilidade que merece ser saudado em Belém, batendo-lhe a pala para o gozar e nos gozarmos. Em cumplicidade de camarada. Numa camaradagem que vai além da política, é, apenas e sobretudo, coisa de alma. Sei que pouquíssimo decido, eu só tenho um voto, como manda a democracia e assim está bem. Mas o meu voto será especial - é de um camarada.
João Tunes
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Notas de L.G.
(1) Segundo o Diário de Notícias, de 19 de Novembro de 2005, "a guerra contra o terrorismo fez ontem, nos arredores de Cabul, a primeira vítima mortal entre os militares portugueses". O sargento João Paulo Roma Pereira, de 33 aqnos, natural de Alhos Verdos, foi "o décimo soldado luso a morrer desde que, em finais de 1995, Portugal começou a participar em missões internacionais de paz". Facto não menos significativo, "é também o primeiro militar comando a falecer desde o fim da Guerra Colonial". Houve ainda três feridos. A viatura blindada em que os quatro militares seguiam, numa patrulha de rotina, nos arredores de Cabul, accionou um "engenho explosivo".
(2) Está publicado no blogue do autor > Água Lisa (4) > 21 de Novembro de 2005 > Camarada Presidente
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