01 dezembro 2005

Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá

Guiné-Bissau > Mansoa > Quartel do exército >

1 de Outubro de 2005.


Foto de © Paulo Salgado (2005)


GUINÉ - DO CUMERÉ A BRÁ

Autor: Ranger Magalhães Ribeiro - Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné.



Os perigos eram muitos mas… lá os íamos dobrando…
O maior inimigo era o tempo... interminável...
Cada dia parecia-nos um longo ano bissexto…
Mas o pior, eram as saudades, algo inenarrável .



O avião aterra lentamente,
Lá fora vejo... uma tabanca?
Não!... aquilo ali, era Bissau!
O aeroporto de Bissalanca.

Desci os degraus e olhei em volta,
Terra estranha de tom encarnado,
Paisagem monótona e agreste,
Céu cinzento, todo enevoado.

O ar quente e muito húmido,
Estava sereno e agradável,
Era Julho de setenta e quatro,
O ambiente turvo... insondável.

Embarcamos rumo ao Cumeré
Numa coluna de viaturas,
E... pelo caminho... tudo igual!
Diferentes, só as criaturas…

Pretos e pretas com o peito ao léu,
Trouxas à cabeça e filhos em redor;
Aqui, e além, malta fardada
Ao longe, o rufar de um tambor.

Encravado na ruidosa Berliet,
Observei curioso aquela terra
E imaginei os sacrifícios
Daqueles onze anos de guerra.

Os múltiplos cursos de água…
A vegetação densa e rasteira…
E... a bolanha... negra e insalubre!
Qual deles a maior ratoeira?

Futa-Fulas, Balantas, Mandingas…
Como diferenciar o inimigo?
Papéis, Futas, Manjacos, Bijagós…
Serão os Fulas, o maior perigo?

Guiné-Bissau > Mansoa > Camponês (balanta) a caminho da bolanha.

26 de Novembro de 2005.


Foto de © Paulo Salgado
e Jorge Leal(2005)








Mas se confusas eram as etnias,
Maior era a divisão com as religiões
E, assim, uns milhares de negros
Pareciam-me demasiados milhões.

Animistas, Muçulmanos e Cristãos
Dos quais alguns eram senegaleses…
Pelo meio… muitos cabo-verdianos…
Além de sírios e libaneses!

Os abutres a esboaçar por cima…
Os mosquitos na pele a picar, e…
Os répteis por ali à nossa volta.
Não aliviavam o mal-estar

As temíveis doenças tropicais,
O paludismo tão debilitante,
As disenterias e as hepatites,
Qual delas a mais fulminante?

Enfim, surge um aglomerado
De pavilhões pré-fabricados,
Cumeré, dizia uma placa,
Havia mato por todos os lados.

Após alojado e alimentado,
Acerquei-me da cerca de arame
E pelo que vi, constatei arrepiado:
“Isto aqui era o nosso Vietname”.

Dei umas voltas pelas tabancas
Naqueles dias de aclimatação,
Os velhinhos gozavam e diziam;
- Viv’à liberdade de circulação!

E, continuavam com as bocas:
- Ó periquitos, que por aí andais...
Aí fora, há umas semanas atrás...
O turra comia-vos, tal com’estais!

Aqueles velhinhos enrugados,
Tez enegrecida e voz de bagaço,
De idade, vinte e poucos anos
Pareciam talhados de puro aço.

Um dia, novo destino: Mansoa!
Er’a hora de rendermos o Batalhão
Depois... entregar tudo ao PAIGC!
Foi a nossa derradeira missão!

Sacos às costas, novo local: Brá!
Pr’ó Batalhão de Engenharia,
Lá se passaram mais uns dias, e…
O regresso, breve acontecia

Já a bordo do Uíge medito;
"África atrai de modo anormal…
Aventura?... Novos horizontes?…
Julguei que, saudades, só de Portugal!»

O povo, os seus costumes, a terra?…
A mística atracção africana?
Tanto se fala dela, ninguém a vê!
Descrevê-la? Talvez p’ra semana!

Caramba! Mas se era assim tão mau!
Para quê, falar tanto... naquela Guiné?
Porquê saudades?... Voltarei ali um dia?!
Doença... tara... ou que raio isto é?!


Guiné-Bissau > Bissau > Um país em construção...

Metade da população da Guiné-Bissau está na capital e... no estrangeiro, na diáspora... Novembro de 2005.

Foto de © Paulo Salgado
e Jorge Leal (2005)

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