
1 de Outubro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado (2005)
GUINÉ - DO CUMERÉ A BRÁ
Autor: Ranger Magalhães Ribeiro - Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné.
Os perigos eram muitos mas… lá os íamos dobrando…
O maior inimigo era o tempo... interminável...
Cada dia parecia-nos um longo ano bissexto…
Mas o pior, eram as saudades, algo inenarrável .
O avião aterra lentamente,
Lá fora vejo... uma tabanca?
Não!... aquilo ali, era Bissau!
O aeroporto de Bissalanca.
Desci os degraus e olhei em volta,
Terra estranha de tom encarnado,
Paisagem monótona e agreste,
Céu cinzento, todo enevoado.
O ar quente e muito húmido,
Estava sereno e agradável,
Era Julho de setenta e quatro,
O ambiente turvo... insondável.
Embarcamos rumo ao Cumeré
Numa coluna de viaturas,
E... pelo caminho... tudo igual!
Diferentes, só as criaturas…
Pretos e pretas com o peito ao léu,
Trouxas à cabeça e filhos em redor;
Aqui, e além, malta fardada
Ao longe, o rufar de um tambor.
Encravado na ruidosa Berliet,
Observei curioso aquela terra
E imaginei os sacrifícios
Daqueles onze anos de guerra.
Os múltiplos cursos de água…
A vegetação densa e rasteira…
E... a bolanha... negra e insalubre!
Qual deles a maior ratoeira?
Futa-Fulas, Balantas, Mandingas…
Como diferenciar o inimigo?
Papéis, Futas, Manjacos, Bijagós…
Serão os Fulas, o maior perigo?

26 de Novembro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado
e Jorge Leal(2005)
Mas se confusas eram as etnias,
Maior era a divisão com as religiões
E, assim, uns milhares de negros
Pareciam-me demasiados milhões.
Animistas, Muçulmanos e Cristãos
Dos quais alguns eram senegaleses…
Pelo meio… muitos cabo-verdianos…
Além de sírios e libaneses!
Os abutres a esboaçar por cima…
Os mosquitos na pele a picar, e…
Os répteis por ali à nossa volta.
Não aliviavam o mal-estar
As temíveis doenças tropicais,
O paludismo tão debilitante,
As disenterias e as hepatites,
Qual delas a mais fulminante?
Enfim, surge um aglomerado
De pavilhões pré-fabricados,
Cumeré, dizia uma placa,
Havia mato por todos os lados.
Após alojado e alimentado,
Acerquei-me da cerca de arame
E pelo que vi, constatei arrepiado:
“Isto aqui era o nosso Vietname”.
Dei umas voltas pelas tabancas
Naqueles dias de aclimatação,
Os velhinhos gozavam e diziam;
- Viv’à liberdade de circulação!
E, continuavam com as bocas:
- Ó periquitos, que por aí andais...
Aí fora, há umas semanas atrás...
O turra comia-vos, tal com’estais!
Aqueles velhinhos enrugados,
Tez enegrecida e voz de bagaço,
De idade, vinte e poucos anos
Pareciam talhados de puro aço.
Um dia, novo destino: Mansoa!
Er’a hora de rendermos o Batalhão
Depois... entregar tudo ao PAIGC!
Foi a nossa derradeira missão!
Sacos às costas, novo local: Brá!
Pr’ó Batalhão de Engenharia,
Lá se passaram mais uns dias, e…
O regresso, breve acontecia
Já a bordo do Uíge medito;
"África atrai de modo anormal…
Aventura?... Novos horizontes?…
Julguei que, saudades, só de Portugal!»
O povo, os seus costumes, a terra?…
A mística atracção africana?
Tanto se fala dela, ninguém a vê!
Descrevê-la? Talvez p’ra semana!
Caramba! Mas se era assim tão mau!
Para quê, falar tanto... naquela Guiné?
Porquê saudades?... Voltarei ali um dia?!
Doença... tara... ou que raio isto é?!

Metade da população da Guiné-Bissau está na capital e... no estrangeiro, na diáspora... Novembro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado
e Jorge Leal (2005)
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