01 outubro 2005

Guiné 63/74 - CCXXVIII: Estórias do Xitole: Tangali e o quico do furriel Fevereiro

...... 58, 59 ... 70, 71...89, 90... 98... 99... 100! Cem canhoadas em 10 minutos no ataque ao aquartelamento do Xitole.

© David Guimarães (2005)


Texto do David Guimarães (ex-Fur Mil Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72):

1. Era costume nós irmos fazer protecção nocturna à tabancas. Era também uma forma de acção psico... Um dia lá fui eu e o Fevereiro a comandar uma secção do 3º grupo de combate. Tangali era o nome da tabanca, a última que estava à guarda do Xitole. Ficava na estrada Xitole-Saltinho (os da CCAÇ 12 muitas vezes passaram por ela).

Bem, saímos pelo fim da pista do Xitole, com dois Unimogs 411 e lá fomos. Era mesmo chato, ir dormir para a tabanca e logo para aquela:
- Pôça, eles até eram todos de lá! - pensei eu, pouco ou nada confiante na lealdade da população local para com as NT. Na realidade, os de Tangali jogavam para os dois lados, conforme as conveniências... Bem, lá fomos e ao fim de 7 Km lá estávamos nós.... Nisto, diz-me o Fevereiro:
- Porra, Guimarães, perdi o meu quico!
Entretanto, vejo e ouço toda aquela gente alarmada:
- Furriel, furriel, manga de ronco lá para o lado do Xitole!... Muito tiro, muito tiro.
- Transmissões, liga para o quartel, pergunta o que houve, ordeno eu.
- Furriel, ninguém atende, não consigo nada, porra para isto!
- Bem, nós estamos aqui, amanhã veremos o ronco, arrematei eu.

Nessa noite não dormimos tão descansados:
- Porra, ronco e tiros, sei lá, vamos mas é ficar atentos...
A noite nunca mais acabava... De manhã cedo, bem formados e atentos, lá fomos estrada fora, de regresso ao Xitole e entrámos pelo fundo da pista de aviação... Bem, buracos no chão não faltavam. Diz-me o Fevereiro:
- Guimarães, olha ali o meu quico!
- Boa, disse eu, tiveste sorte, ele apareceu. - Ele pega no quico e mesmo no local da nuca estava um furo:
- Já viste - exclama o Fevereiro para mim - se eu tinha a cabeça aqui dentro!...
Bem, lá chegámos ao aquartelamento:
- Tanto buraco!
- É, pá, os gajos apontaram para aqui e até parecia que disparavam em rajada os canhões sem recuo... Vinha daquele lado do Corubal...

Tarefa matutinal: ver os estragos e contar as canhoadas; sim, as marcas bem visíveis e os cotos das granadas bem enterradas no chão como se fossem setas de índios:
- Olha, esta entrou no depósito de géneros... vamos ver! - Depois de bem contados, parece que só se tinham partido 4 garrafões de vinho... Coitados dos garrafões, do mal o menos...
- ... 58, 59 ... 70, 71.... porra e mais aqui ... 89, 90... 98... 99.... e esta também ... 100!!!

O ataque tinha demorado... dez minutos!

- Porra, porra!!!, ainda dizia o Fevereiro, a olhar para o estado lastimoso em que ficou o seu quico.

2. Nessa altura tinha chegado ao Xitole um morteiro de calibre 107 mm. Para dar instrução sobre esse morteiro tinha vindo um primeiro sargento especialista de armas pesadas, ex-cabo e ex-comandante de um posto qualquer da GNR lá na Metrópole.

Experimentou-se o dez sete, assim chamávamos ao morteiro.... Poça, parecia uma arma de artilharia, boa não há dúvida, pelo menos muito barulho fazia....

De manhã, o 1º sargento costumava dar as aulas teóricas sobre o funcionamento da coisa e não é que, por ironia do destino, muitas noites e algumas seguidas éramos atacados sempre de canhão sem recuo.... A certa altura o homem do bar dizia:
- Fui eu, ao bater a porta do frigorifico... - É que que esse barulho punha-nos todos a caminho do abrigo... Tantas vezes ele repetiram aquelas flagelações e o dez sete a funcionar... Logo de manhã, as aulas práticas e, à tarde, a teóricas...

Até que se aproximou o dia da minha licença disciplinar de 30 dias... Sim, aquilo que chamávamos férias.... Bem, mas antes teria que se ir a Satecuta [uma das bases do PAIGC, junto ao Rio Corubal, a oeste do Xitole]... Aquilo parecia uma cidade, já tinha sido visto de avioneta....

Na primeira ida, ficou a companhia de formação e comando e fiquei eu. Não relatarei o que disseram, relatarei apenas o que vi do aquartelanmento... Enfim, sem querer ser herói, percebi quanto um jogardor de futebol sofre quando está na bancada... Era o caso: a certa altura naquele dia, uma avioneta lá londe começou a andar em círculo, por baixo os jagudis na mesma em círculo, ouviam-se tiros e mais tiros, rebentamentos e mais rebentamentos. Um inferno!
- Ai, como estarão eles, coitados, que coisa, dizia eu cá para mim.- A certa altura, inesperadamente a avioneta (uma DO) afasta-se e os tiros terminam. E os jagudis também desaparecem....

Por fim, todos sujos, cagados, os bravos voltam:
- Não, não deu para entrar....

Em cada operação em que havia tiros, que coisa, vínhamos todos enfarruscados....
- Bem, tudo muito bem, mas eles não deixaram, recebemos ordem de retirar pelo Comandante... Ninguém ficou ferido, ao menos isso... Enfim, desta vez ao menos as balas do inimigo nos acertaram.
- Ainda bem, disse eu cá para os meus botões - Agora, Guimarães, vais até à metrópole, num voo TAP e pela agência Costa... E que tal? De avioneta até Bissau, que luxo!!!

Ai, era o meu baptismo de voo. Porreiro, o meu cu já tinha calos do Unimog...
- Mas isto é mesmo bem bom... Adeus Xitole, adeus camaradas, adeus Fevereiro... Até daqui a um mês.

Guiné 63/74 - CCXXVIII: Estórias do Xitole: Tangali e o quico do furriel Fevereiro

...... 58, 59 ... 70, 71...89, 90... 98... 99... 100! Cem canhoadas em 10 minutos no ataque ao aquartelamento do Xitole.

© David Guimarães (2005)


Texto do David Guimarães (ex-Fur Mil Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72):

1. Era costume nós irmos fazer protecção nocturna à tabancas. Era também uma forma de acção psico... Um dia lá fui eu e o Fevereiro a comandar uma secção do 3º grupo de combate. Tangali era o nome da tabanca, a última que estava à guarda do Xitole. Ficava na estrada Xitole-Saltinho (os da CCAÇ 12 muitas vezes passaram por ela).

Bem, saímos pelo fim da pista do Xitole, com dois Unimogs 411 e lá fomos. Era mesmo chato, ir dormir para a tabanca e logo para aquela:
- Pôça, eles até eram todos de lá! - pensei eu, pouco ou nada confiante na lealdade da população local para com as NT. Na realidade, os de Tangali jogavam para os dois lados, conforme as conveniências... Bem, lá fomos e ao fim de 7 Km lá estávamos nós.... Nisto, diz-me o Fevereiro:
- Porra, Guimarães, perdi o meu quico!
Entretanto, vejo e ouço toda aquela gente alarmada:
- Furriel, furriel, manga de ronco lá para o lado do Xitole!... Muito tiro, muito tiro.
- Transmissões, liga para o quartel, pergunta o que houve, ordeno eu.
- Furriel, ninguém atende, não consigo nada, porra para isto!
- Bem, nós estamos aqui, amanhã veremos o ronco, arrematei eu.

Nessa noite não dormimos tão descansados:
- Porra, ronco e tiros, sei lá, vamos mas é ficar atentos...
A noite nunca mais acabava... De manhã cedo, bem formados e atentos, lá fomos estrada fora, de regresso ao Xitole e entrámos pelo fundo da pista de aviação... Bem, buracos no chão não faltavam. Diz-me o Fevereiro:
- Guimarães, olha ali o meu quico!
- Boa, disse eu, tiveste sorte, ele apareceu. - Ele pega no quico e mesmo no local da nuca estava um furo:
- Já viste - exclama o Fevereiro para mim - se eu tinha a cabeça aqui dentro!...
Bem, lá chegámos ao aquartelamento:
- Tanto buraco!
- É, pá, os gajos apontaram para aqui e até parecia que disparavam em rajada os canhões sem recuo... Vinha daquele lado do Corubal...

Tarefa matutinal: ver os estragos e contar as canhoadas; sim, as marcas bem visíveis e os cotos das granadas bem enterradas no chão como se fossem setas de índios:
- Olha, esta entrou no depósito de géneros... vamos ver! - Depois de bem contados, parece que só se tinham partido 4 garrafões de vinho... Coitados dos garrafões, do mal o menos...
- ... 58, 59 ... 70, 71.... porra e mais aqui ... 89, 90... 98... 99.... e esta também ... 100!!!

O ataque tinha demorado... dez minutos!

- Porra, porra!!!, ainda dizia o Fevereiro, a olhar para o estado lastimoso em que ficou o seu quico.

2. Nessa altura tinha chegado ao Xitole um morteiro de calibre 107 mm. Para dar instrução sobre esse morteiro tinha vindo um primeiro sargento especialista de armas pesadas, ex-cabo e ex-comandante de um posto qualquer da GNR lá na Metrópole.

Experimentou-se o dez sete, assim chamávamos ao morteiro.... Poça, parecia uma arma de artilharia, boa não há dúvida, pelo menos muito barulho fazia....

De manhã, o 1º sargento costumava dar as aulas teóricas sobre o funcionamento da coisa e não é que, por ironia do destino, muitas noites e algumas seguidas éramos atacados sempre de canhão sem recuo.... A certa altura o homem do bar dizia:
- Fui eu, ao bater a porta do frigorifico... - É que que esse barulho punha-nos todos a caminho do abrigo... Tantas vezes ele repetiram aquelas flagelações e o dez sete a funcionar... Logo de manhã, as aulas práticas e, à tarde, a teóricas...

Até que se aproximou o dia da minha licença disciplinar de 30 dias... Sim, aquilo que chamávamos férias.... Bem, mas antes teria que se ir a Satecuta [uma das bases do PAIGC, junto ao Rio Corubal, a oeste do Xitole]... Aquilo parecia uma cidade, já tinha sido visto de avioneta....

Na primeira ida, ficou a companhia de formação e comando e fiquei eu. Não relatarei o que disseram, relatarei apenas o que vi do aquartelanmento... Enfim, sem querer ser herói, percebi quanto um jogardor de futebol sofre quando está na bancada... Era o caso: a certa altura naquele dia, uma avioneta lá londe começou a andar em círculo, por baixo os jagudis na mesma em círculo, ouviam-se tiros e mais tiros, rebentamentos e mais rebentamentos. Um inferno!
- Ai, como estarão eles, coitados, que coisa, dizia eu cá para mim.- A certa altura, inesperadamente a avioneta (uma DO) afasta-se e os tiros terminam. E os jagudis também desaparecem....

Por fim, todos sujos, cagados, os bravos voltam:
- Não, não deu para entrar....

Em cada operação em que havia tiros, que coisa, vínhamos todos enfarruscados....
- Bem, tudo muito bem, mas eles não deixaram, recebemos ordem de retirar pelo Comandante... Ninguém ficou ferido, ao menos isso... Enfim, desta vez ao menos as balas do inimigo nos acertaram.
- Ainda bem, disse eu cá para os meus botões - Agora, Guimarães, vais até à metrópole, num voo TAP e pela agência Costa... E que tal? De avioneta até Bissau, que luxo!!!

Ai, era o meu baptismo de voo. Porreiro, o meu cu já tinha calos do Unimog...
- Mas isto é mesmo bem bom... Adeus Xitole, adeus camaradas, adeus Fevereiro... Até daqui a um mês.

30 setembro 2005

Guiné 63/74 - CCXXVII: Guerra limpa, guerra suja (2)

Resposta do Marques Lopes ao João Tunes:

Estás enganado, camarada ex-combatente João Tunes.

É verdade que a PIDE tinha esse principal papel, e eu assisti, em Bafatá, ao início da tortura de um prisioneiro por essa polícia e por um capitão de informações. Revoltei-me e fui-me embora, quando vi meter o homem num bidão de água até ele gorgolejar.

Em Geba, os alferes que estávamos tivemos que nos afastar um dia (o Maçarico viu e que conte, o Luís Graça conhece-o) quando o capitão (que até morreu lá) e o primeiro-sargento deram tal enxerto de porrada a outro prisioneiro que este se borrou todo e se mijou.

Em Barro, sei de um alferes que, duma só vez, matou dez elementos da população civil controlada pelo PAIGC.

Esta é diferente, mas também sucedeu: em Samba Culo, um soldado do meu grupo de combate quiz saltar para cima de uma moça que tinha levado uma rajada na barriga (acabou por morrer, coitado, apesar de tudo, no cativeiro em Conakri). Não o fex porque lhe dei uns murros e uns pontapés.

É verdade que na Guiné não terá sido tanto como nos outros locais, mas terá havido alguns casos, certamente.

Mantenhas.
Cantacunda

Guiné 63/74 - CCXXVII: Guerra limpa, guerra suja (2)

Resposta do Marques Lopes ao João Tunes:

Estás enganado, camarada ex-combatente João Tunes.

É verdade que a PIDE tinha esse principal papel, e eu assisti, em Bafatá, ao início da tortura de um prisioneiro por essa polícia e por um capitão de informações. Revoltei-me e fui-me embora, quando vi meter o homem num bidão de água até ele gorgolejar.

Em Geba, os alferes que estávamos tivemos que nos afastar um dia (o Maçarico viu e que conte, o Luís Graça conhece-o) quando o capitão (que até morreu lá) e o primeiro-sargento deram tal enxerto de porrada a outro prisioneiro que este se borrou todo e se mijou.

Em Barro, sei de um alferes que, duma só vez, matou dez elementos da população civil controlada pelo PAIGC.

Esta é diferente, mas também sucedeu: em Samba Culo, um soldado do meu grupo de combate quiz saltar para cima de uma moça que tinha levado uma rajada na barriga (acabou por morrer, coitado, apesar de tudo, no cativeiro em Conakri). Não o fex porque lhe dei uns murros e uns pontapés.

É verdade que na Guiné não terá sido tanto como nos outros locais, mas terá havido alguns casos, certamente.

Mantenhas.
Cantacunda

Guiné 63/74 - CCXXVI: Guerra limpa, guerra suja (1)

1. O João Tunes acaba de publicar, no seu blogue, um post com o título "Guerra limpa, guerra suja", em relação ao qual pede o feedback da nossa tertúlia. Com a devida vénia, passo a transcrever aqui o seu conteúdo, aguardando que este suscite os comentários dos nossos tertulianos. O assunto é delicado mas não podemos ignorá-lo ou escamoteá-lo. Um dia teríamos que falar disto, mesmo que fosse incómodo ou doloroso... L.G.

2. A mensagem, enviada por ele por email, reza assim:

Camarigos,

Gostava, se vos aprouver, de ter os vossos feed-back a este post (...):

Agradecimento antecipado aos que tiverem paciência para lerem e consideração para responderem. Obviamente que exprimo os meus pessoalíssimos pontos de vista, sujeitando-me a qualquer contraditório ou diferença de ponto de vista. Vá de retro a unanimidade!

Abraços.
João Tunes

______________________


Há dias, conversando por telefone com um amigo e antigo combatente na Guiné, a questão colocou-se (ou seja, a grande questão de fundo quando se fala da participação portuguesa nas guerras coloniais) – teríamos sido ou não suficientemente decentes na forma como nos comportámos na guerra?

Isto é, além do cumprimento de missões militares, onde a regra mínima só podia ser (para qualquer dos campos) o melhor para as NT e o pior para o IN, se era norma a prática de excessos e de desumanidades que ultrapassassem os resultados militares e se havia ou não respeito para com os guerrilheiros aprisionados.

O meu amigo garantiu que, na Guiné e pelo menos após a chegada de Spínola, o comportamento generalizado era o de um comportamento ético-militar exemplar, ou seja, fora dos combates, os guerrilheiros não só não eram maltratados, muito menos torturados, como seriam respeitados. Invocava ainda que isso não se devia a um acaso mas obedecia a regras impostas pelos altos comandos e integrando-se na filosofia da “psico” em que se procurava dignificar a condição militar perante as populações. Desta consideração, ele extraía que, fazendo o que tínhamos de fazer (combater), não tínhamos que nos envergonhar da nossa passagem pela Guiné.Na minha experiência, também na Guiné, não assisti a nada que desmentisse este meu amigo.

Era, de facto, assim e como ele diz. [Mas... (há sempre um “mas”)] Os militares a partir de determinada altura (os inícios das guerras foram mais selváticos de parte a parte), entendendo melhor os princípios da importância da ligação e conquista das populações, nas acções de contra-guerrilha, reprimiam as tendências para os excessos (embora, como todas as regras, tenham havido as suas excepções). Só que a mudança do comportamento militar (mais consentâneo com a ética da guerra) assentava num pressuposto de organização das tarefas – o “trabalho sujo” era feito pela PIDE (cuja crueldade nas colónias era imensamente superior à utilizada na metrópole).

Ou seja, as partes “suja” e “limpa” foi distribuído entre polícia e forças armadas, os prisioneiros capturados pela tropa eram submetidos a um primeiro interrogatório (que decorria de uma forma mais ou menos “limpa”) e depois entregues à PIDE que os submetia à tortura, ao assassínio, ao desaparecimento, ao envio para o Tarrafal ou ao aliciamento. Decentemente tratados pelos militares, os prisioneiros da guerrilha, quando entregues à PIDE, desapareciam do quadro das noções de humanidade.

Um livro da historiadora Dalila Cabrita Mateus (*) demonstra como as coisas, combinadamente, se passavam na ligação PIDE-Forças Armadas nos teatros das guerras coloniais.Ora, os militares combatentes sabiam deste jogo combinado entre “trabalho limpo” e “trabalho sujo”. Portanto, havia uma base de profunda hipocrisia consciente e representada, que não permite aos “limpos militares” dizerem, com inteira verdade, da sua estadia lá – eu, e os outros, vimos de “mãos limpas”, cumprimos as regras da ética da guerra, não fomos desumanos para com aqueles que combatemos. Porque os crimes da PIDE (quase ainda totalmente desconhecidos quanto á sua extensão, desumanidade e número e identidade das vítimas) não foram um fenómeno exógeno à gerra colonial. As atrocidades pidescas foram parte fundamental na estratégia da guerra. E era a mesma guerra - a dos pides e a dos militares. Complementares. A lama de uns sujou os camuflados dos outros, porque a lama fez parte da presença portuguesa e da guerra que os portugueses travaram contra guinéos, angolanos e moçambicanos.

(*) – “A PIDE/DGS na Guerra Colonial – 1961-1974”, Dalila Cabrita Mateus, Ed. Terramar.

Guiné 63/74 - CCXXVI: Guerra limpa, guerra suja (1)

1. O João Tunes acaba de publicar, no seu blogue, um post com o título "Guerra limpa, guerra suja", em relação ao qual pede o feedback da nossa tertúlia. Com a devida vénia, passo a transcrever aqui o seu conteúdo, aguardando que este suscite os comentários dos nossos tertulianos. O assunto é delicado mas não podemos ignorá-lo ou escamoteá-lo. Um dia teríamos que falar disto, mesmo que fosse incómodo ou doloroso... L.G.

2. A mensagem, enviada por ele por email, reza assim:

Camarigos,

Gostava, se vos aprouver, de ter os vossos feed-back a este post (...):

Agradecimento antecipado aos que tiverem paciência para lerem e consideração para responderem. Obviamente que exprimo os meus pessoalíssimos pontos de vista, sujeitando-me a qualquer contraditório ou diferença de ponto de vista. Vá de retro a unanimidade!

Abraços.
João Tunes

______________________


Há dias, conversando por telefone com um amigo e antigo combatente na Guiné, a questão colocou-se (ou seja, a grande questão de fundo quando se fala da participação portuguesa nas guerras coloniais) – teríamos sido ou não suficientemente decentes na forma como nos comportámos na guerra?

Isto é, além do cumprimento de missões militares, onde a regra mínima só podia ser (para qualquer dos campos) o melhor para as NT e o pior para o IN, se era norma a prática de excessos e de desumanidades que ultrapassassem os resultados militares e se havia ou não respeito para com os guerrilheiros aprisionados.

O meu amigo garantiu que, na Guiné e pelo menos após a chegada de Spínola, o comportamento generalizado era o de um comportamento ético-militar exemplar, ou seja, fora dos combates, os guerrilheiros não só não eram maltratados, muito menos torturados, como seriam respeitados. Invocava ainda que isso não se devia a um acaso mas obedecia a regras impostas pelos altos comandos e integrando-se na filosofia da “psico” em que se procurava dignificar a condição militar perante as populações. Desta consideração, ele extraía que, fazendo o que tínhamos de fazer (combater), não tínhamos que nos envergonhar da nossa passagem pela Guiné.Na minha experiência, também na Guiné, não assisti a nada que desmentisse este meu amigo.

Era, de facto, assim e como ele diz. [Mas... (há sempre um “mas”)] Os militares a partir de determinada altura (os inícios das guerras foram mais selváticos de parte a parte), entendendo melhor os princípios da importância da ligação e conquista das populações, nas acções de contra-guerrilha, reprimiam as tendências para os excessos (embora, como todas as regras, tenham havido as suas excepções). Só que a mudança do comportamento militar (mais consentâneo com a ética da guerra) assentava num pressuposto de organização das tarefas – o “trabalho sujo” era feito pela PIDE (cuja crueldade nas colónias era imensamente superior à utilizada na metrópole).

Ou seja, as partes “suja” e “limpa” foi distribuído entre polícia e forças armadas, os prisioneiros capturados pela tropa eram submetidos a um primeiro interrogatório (que decorria de uma forma mais ou menos “limpa”) e depois entregues à PIDE que os submetia à tortura, ao assassínio, ao desaparecimento, ao envio para o Tarrafal ou ao aliciamento. Decentemente tratados pelos militares, os prisioneiros da guerrilha, quando entregues à PIDE, desapareciam do quadro das noções de humanidade.

Um livro da historiadora Dalila Cabrita Mateus (*) demonstra como as coisas, combinadamente, se passavam na ligação PIDE-Forças Armadas nos teatros das guerras coloniais.Ora, os militares combatentes sabiam deste jogo combinado entre “trabalho limpo” e “trabalho sujo”. Portanto, havia uma base de profunda hipocrisia consciente e representada, que não permite aos “limpos militares” dizerem, com inteira verdade, da sua estadia lá – eu, e os outros, vimos de “mãos limpas”, cumprimos as regras da ética da guerra, não fomos desumanos para com aqueles que combatemos. Porque os crimes da PIDE (quase ainda totalmente desconhecidos quanto á sua extensão, desumanidade e número e identidade das vítimas) não foram um fenómeno exógeno à gerra colonial. As atrocidades pidescas foram parte fundamental na estratégia da guerra. E era a mesma guerra - a dos pides e a dos militares. Complementares. A lama de uns sujou os camuflados dos outros, porque a lama fez parte da presença portuguesa e da guerra que os portugueses travaram contra guinéos, angolanos e moçambicanos.

(*) – “A PIDE/DGS na Guerra Colonial – 1961-1974”, Dalila Cabrita Mateus, Ed. Terramar.

Guiné 63/74 - CCXXV: Bibliografia de uma guerra (12):

Texto do João Tunes:

Camarigos,

Julgo que conheçam o livro de crónicas sobre a guerra na Guiné do Médico José Pardete Ferreira, intitulado O Paparratos - novas crónicas da Guiné (Lisboa: Ed. Prefácio, 2004; Colecção: História Militar) (1).

Além de ter estado lá no período 1969-71, andou não só pelo chão manjaco como por Bambadinca. Admito até que alguns de vós o tenham conhecido pesoalmente (o que não foi o meu caso, embora tenhamos andado, talvez ao mesmo tempo, a pisar o mesmo chão).


Título: O Paparratos: Novas Crónicas da Guiné 1969-1971
Autor: José Pardete Ferreira
Editora: Prefácio
Colecção: História Militar
Ano: 204O

O autor é agora "cirurgião-medicina desportiva" e gosta (e sabe, muito bem) escrever.

Para os que não conheciam ou não leram este livro, aconselho-o vivamente. A atmosfera, a vivência e o vocabulário recriam bem o que todos nós passámos. E a figura do Soldado Paparratos está muitíssimo bem desenhada. Recomendo.

E talvez possa ter o efeito de os mais acanhados puxarem pelo teclado e desfiarem a memória, reconstruindo-a e transmitindo-a (para que a história não se esqueça de nós). O que só faz bem, garanto, pois foi assim que cheguei à meia-cura (2).

Abraços,
João Tunes

_______________

Notas de L.G.:

(1) vd. post de 17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CX: Bibliografia de uma guerra (4)

(2) O livro estava hoje a cerca de € 15 na ACVL - Livraria On Line

Guiné 63/74 - CCXXV: Bibliografia de uma guerra (12):

Texto do João Tunes:

Camarigos,

Julgo que conheçam o livro de crónicas sobre a guerra na Guiné do Médico José Pardete Ferreira, intitulado O Paparratos - novas crónicas da Guiné (Lisboa: Ed. Prefácio, 2004; Colecção: História Militar) (1).

Além de ter estado lá no período 1969-71, andou não só pelo chão manjaco como por Bambadinca. Admito até que alguns de vós o tenham conhecido pesoalmente (o que não foi o meu caso, embora tenhamos andado, talvez ao mesmo tempo, a pisar o mesmo chão).


Título: O Paparratos: Novas Crónicas da Guiné 1969-1971
Autor: José Pardete Ferreira
Editora: Prefácio
Colecção: História Militar
Ano: 204O

O autor é agora "cirurgião-medicina desportiva" e gosta (e sabe, muito bem) escrever.

Para os que não conheciam ou não leram este livro, aconselho-o vivamente. A atmosfera, a vivência e o vocabulário recriam bem o que todos nós passámos. E a figura do Soldado Paparratos está muitíssimo bem desenhada. Recomendo.

E talvez possa ter o efeito de os mais acanhados puxarem pelo teclado e desfiarem a memória, reconstruindo-a e transmitindo-a (para que a história não se esqueça de nós). O que só faz bem, garanto, pois foi assim que cheguei à meia-cura (2).

Abraços,
João Tunes

_______________

Notas de L.G.:

(1) vd. post de 17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CX: Bibliografia de uma guerra (4)

(2) O livro estava hoje a cerca de € 15 na ACVL - Livraria On Line

29 setembro 2005

Guiné 63/74 - CCXXIV: Recordações do 'Caco Baldé' no Xitole

© Manuel Ferreira (2005)

O Soldado condutor auto Ferreira, de bigode, "com amigos nos fados".

Foto provavelmente de 1973, e tirada em Mansambo (CART 3494, que se mudou do Xime para Mansambo em Abril de 1973; pertencia ao BART 3873, 1972/74, que veio render o BART 2917, 1970/72, a que pertencia a CART 2716, aqui referida neste post).

O título da letra de fado podia ser "Fado do Caco Baldé". Repare-se no modo de vestir dos nossos soldados... O isolamento, o clima, a guerra, a fadiga geral e o stresse psicológico levaram a uma acentuada quebra da disciplina e do aprumo dos militares...


Texto do David Guimarães:


Um helicóptero que pousa na pista do Xitole, gente da alta e o homem grande (General, Comandante-Chefe e Governador do CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné): António de Spinola, ele mesmo, mais conhecido por... Caco Baldé!

Spínola era conhecido por Com-Chefe, Caco, Caco Baldé, Homem Grande de Bissau...


Foto > Fonte: Extracto da capa do livro de Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão. Lisboa: s/e. 1972.



Volta à companhia, verificação da posição das NT dentro do Aquartelamento... Rapidamente se forma um U, cada qual fardado o melhor que podia, era um ver se te avias.... Sua Excelência, de pernas afastadas, mãos atrás das costas, impecavelmente fardado e com seu monóculo começa assim um discurso:

- Tenho péssimas informações do Batalhão [ BART 2917, com sede em Bambadinca ], à excepção desta companhia [ CART 2716 ]... Continuem, e tal e tal... - E lá foi o homem embora: meteu-se no helicóptero e saiu pelos ares da Guiné, algures no Leste, rumo a Bissau, possivelmente.

- Porra que elogio, mas para quê? Ele afinal até é bom!
- Porreiro, dizia um...
- Que se foda, dizia outro...
- Bem, sempre é melhor este elogio do que o contrário...
- Que se lixe, já foi...
- Mas seremos assim tão bons para levar este elogia? Tão novos... merda, que se dane...

Percebemos pouco tempo depois o que ele nos queria a dizer... Tinha-se realizado a Op Abencerragem Candente (Ponta do Inglês, Xime, 25 e 26 de Novembro de 1970, que o Luís e o Humberto já têm aqui evocado várias vezes), com um porrada de mortos e feridos...

Aí percebemos melhor o discurso do General quando na ordem de serviço veio o seguinte (reproduzo de cor): Segue para a Metrópole o Tenente Coronel de Artilharia M. F. por ser incompetente para comandar um Batalhão... Em seu lugar nomeio João Polidoro Monteiro, Tenente Coronel de Infantaria, etc. etc. etc... Nestas coisas, o Caco Baldé não brincava em serviço, cortava a direito... Não percebo por que é poupou o major A.C. (dizem que foi por ser antigo professor da Academia Militar...).

- Ai olha, ele varreu com o Nord Atlas - assim chamávamos nós ao M. F. (um bom homem, mas que de guerra efectivamente só deveria saber o que vinha nos livros)... Apanhou uma porrada desse nível e, ainda por cima, estava de férias, enquanto o A. C., o principal responsável pelo fracasso dessa operação e o consequente desastre, ficava...

© David J. Guimarães (2005)

Guiné > Zona Leste > Xitole > 1970 : O furriel miliciano Guimarães, de minas e armadilhas, no aquartelamento e povoação de Xitole.


Rei morto, rei posto e aí aparece o novo comandante a conhecer a sua tropa...
- Ena, que este tem pinta de guerreiro, estamos fritos...
- Bem bem, não estamos aqui propriamente em férias numa colónia balnear...


As grandes operações começaram a desenvolver-se, Polidoro Monteiro queria que fossemos a Satecuta, em 'zona libertada' pelo PAIGC (diziam eles), já perto da mítica mata do Fiofioli...

Devido à morte do Furriel Quaresma e à evacuação de Leones, dois Furriéis apareceram para os substituírem - Cardoso e Fevereiro... O primeiro já andava por ali desde 1966 (!), com porradas em cima; e o Fevereiro estava a a dormir na sua bela caminha, quando apanhou uma rendição individual e foi ter connosco....

As operações grandes que tivemos começaram nesta altura. Polidoro Monteiro parecia entender daquilo... Pois que seja.... Vejam os próximos episódios...

Abraço, David (ex-Fur Mil Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72)

Guiné 63/74 - CCXXIV: Recordações do 'Caco Baldé' no Xitole

© Manuel Ferreira (2005)

O Soldado condutor auto Ferreira, de bigode, "com amigos nos fados".

Foto provavelmente de 1973, e tirada em Mansambo (CART 3494, que se mudou do Xime para Mansambo em Abril de 1973; pertencia ao BART 3873, 1972/74, que veio render o BART 2917, 1970/72, a que pertencia a CART 2716, aqui referida neste post).

O título da letra de fado podia ser "Fado do Caco Baldé". Repare-se no modo de vestir dos nossos soldados... O isolamento, o clima, a guerra, a fadiga geral e o stresse psicológico levaram a uma acentuada quebra da disciplina e do aprumo dos militares...


Texto do David Guimarães:


Um helicóptero que pousa na pista do Xitole, gente da alta e o homem grande (General, Comandante-Chefe e Governador do CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné): António de Spinola, ele mesmo, mais conhecido por... Caco Baldé!

Spínola era conhecido por Com-Chefe, Caco, Caco Baldé, Homem Grande de Bissau...


Foto > Fonte: Extracto da capa do livro de Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão. Lisboa: s/e. 1972.



Volta à companhia, verificação da posição das NT dentro do Aquartelamento... Rapidamente se forma um U, cada qual fardado o melhor que podia, era um ver se te avias.... Sua Excelência, de pernas afastadas, mãos atrás das costas, impecavelmente fardado e com seu monóculo começa assim um discurso:

- Tenho péssimas informações do Batalhão [ BART 2917, com sede em Bambadinca ], à excepção desta companhia [ CART 2716 ]... Continuem, e tal e tal... - E lá foi o homem embora: meteu-se no helicóptero e saiu pelos ares da Guiné, algures no Leste, rumo a Bissau, possivelmente.

- Porra que elogio, mas para quê? Ele afinal até é bom!
- Porreiro, dizia um...
- Que se foda, dizia outro...
- Bem, sempre é melhor este elogio do que o contrário...
- Que se lixe, já foi...
- Mas seremos assim tão bons para levar este elogia? Tão novos... merda, que se dane...

Percebemos pouco tempo depois o que ele nos queria a dizer... Tinha-se realizado a Op Abencerragem Candente (Ponta do Inglês, Xime, 25 e 26 de Novembro de 1970, que o Luís e o Humberto já têm aqui evocado várias vezes), com um porrada de mortos e feridos...

Aí percebemos melhor o discurso do General quando na ordem de serviço veio o seguinte (reproduzo de cor): Segue para a Metrópole o Tenente Coronel de Artilharia M. F. por ser incompetente para comandar um Batalhão... Em seu lugar nomeio João Polidoro Monteiro, Tenente Coronel de Infantaria, etc. etc. etc... Nestas coisas, o Caco Baldé não brincava em serviço, cortava a direito... Não percebo por que é poupou o major A.C. (dizem que foi por ser antigo professor da Academia Militar...).

- Ai olha, ele varreu com o Nord Atlas - assim chamávamos nós ao M. F. (um bom homem, mas que de guerra efectivamente só deveria saber o que vinha nos livros)... Apanhou uma porrada desse nível e, ainda por cima, estava de férias, enquanto o A. C., o principal responsável pelo fracasso dessa operação e o consequente desastre, ficava...

© David J. Guimarães (2005)

Guiné > Zona Leste > Xitole > 1970 : O furriel miliciano Guimarães, de minas e armadilhas, no aquartelamento e povoação de Xitole.


Rei morto, rei posto e aí aparece o novo comandante a conhecer a sua tropa...
- Ena, que este tem pinta de guerreiro, estamos fritos...
- Bem bem, não estamos aqui propriamente em férias numa colónia balnear...


As grandes operações começaram a desenvolver-se, Polidoro Monteiro queria que fossemos a Satecuta, em 'zona libertada' pelo PAIGC (diziam eles), já perto da mítica mata do Fiofioli...

Devido à morte do Furriel Quaresma e à evacuação de Leones, dois Furriéis apareceram para os substituírem - Cardoso e Fevereiro... O primeiro já andava por ali desde 1966 (!), com porradas em cima; e o Fevereiro estava a a dormir na sua bela caminha, quando apanhou uma rendição individual e foi ter connosco....

As operações grandes que tivemos começaram nesta altura. Polidoro Monteiro parecia entender daquilo... Pois que seja.... Vejam os próximos episódios...

Abraço, David (ex-Fur Mil Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72)

Guiné 63/74 - CCXXIII: Operação Guiné-Bissau 2006 (3)

1. Queridos tertulianos:

Boas notícias: já está em marcha a Op Guiné-Bissau 2006...

Agora é preciso a montar a logística, as transmissões, as comunicações, o planeamento, os patrocínios, o sponsorship, o marketing, enfim, chamar os gajos do Estado Maior General do... "Caco Baldé" (esta foi o Guimarães que nos veio recordar: era assim que a malta do chão fula - Bambadinca, Xime, Xitole - chamava ao "homem grande de Bissau" e nosso Com-Chefe...).

Outra boa notícia: estamos em vias de admitir na tertúlia a primeira... camariga! A mulher do Paulo Salgado, a Maria da Conceição, que é economista, "bebeu a água do Pidjiguiti" (em sentido figurado, claro) e vai amanhã para Bissau, trabalhar como cooperante, juntamente com o Paulo e mais dois elementos da equipa ...


2. Mensagem do Sousa de Castro (o tertuliano nº 1, o culpado desta blogaria toda!):

Amigos tertúlianos, o ex Furriel Mil. de Transmissões de Infantaria Luís Fernando Moreira pertenceu à CCAÇ 2789 do BCAÇ 2928, que esteve em Bula, Capunga e Ponta da Consolação na Guiné (1970/72)... Procura ex-companheiros.

Contacto:

(i) lmoreira@sapo.pt;

(ii) luismoreira@envc.pt

3. Mensagem que enviei ao Luís:

Luís F. Moreira (para não não fazer confusão com o outro Luís Moreira, ex-Alf. Mil. Sapador da CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/71):

Já publiquei o teu apelo no nosso blogue. Manda mais dados sobre a tua "guerra"... Não temos nada sobre Bula, [que fica a norte de Bissau, já na região do Cacheu ]... Quanto a Capunga, há pelo menos duas localidades com esse nome... Se tiveres fotos, documentos, estórias, estás à vontade... Já somos porventura a melhor fonte, a mais autêntica, a mais pura, mais espeontânea, de informação sobre a guerra da Guiné (1963/74)... Por este andar ainda vamos todos apanhar uma medalha de cortiça, por relevantes serviços à Pátria, no dez de Junho...

Fragata Alm. Magalhães Corrêa, construída em 1968, nos Estaleiros Navais de Viana de Castelo, uma empresa que honra a nossa longa e rica tradição na arte e na ciência da construção naval e onde trabalham (ou já trabalharam) alguns dos nossos queridos tertulianos.


Fonte: ENVC (2005) (com a devida vénia)

Já percebi que trabalhas com o Sousa de Castro (que é o pai desta tertúlia) e outros camaradas, aí nos ENVC. Segunda feira vou a um congresso a Braga, "botar discurso", mas não dá para dar um salto a Viana... Mas prometo ainda um dia fazer uma visita ao Sousa de Castro, ao Américo Marques, ao Manuel Castro e agora a ti (não sei se me esqueci de mais algum valente camarada dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo)... Vai dando notícias. Já somos vários Luíses... Fica com os nossos endereços, o do blogue e das várias páginas. E vai divulgando a coisa, aí pelo Alto Minho (podes entrar pela Galiza dentro, se lá houver rapaziada da Guiné...).

Luís Graça

Guiné 63/74 - CCXXIII: Operação Guiné-Bissau 2006 (3)

1. Queridos tertulianos:

Boas notícias: já está em marcha a Op Guiné-Bissau 2006...

Agora é preciso a montar a logística, as transmissões, as comunicações, o planeamento, os patrocínios, o sponsorship, o marketing, enfim, chamar os gajos do Estado Maior General do... "Caco Baldé" (esta foi o Guimarães que nos veio recordar: era assim que a malta do chão fula - Bambadinca, Xime, Xitole - chamava ao "homem grande de Bissau" e nosso Com-Chefe...).

Outra boa notícia: estamos em vias de admitir na tertúlia a primeira... camariga! A mulher do Paulo Salgado, a Maria da Conceição, que é economista, "bebeu a água do Pidjiguiti" (em sentido figurado, claro) e vai amanhã para Bissau, trabalhar como cooperante, juntamente com o Paulo e mais dois elementos da equipa ...


2. Mensagem do Sousa de Castro (o tertuliano nº 1, o culpado desta blogaria toda!):

Amigos tertúlianos, o ex Furriel Mil. de Transmissões de Infantaria Luís Fernando Moreira pertenceu à CCAÇ 2789 do BCAÇ 2928, que esteve em Bula, Capunga e Ponta da Consolação na Guiné (1970/72)... Procura ex-companheiros.

Contacto:

(i) lmoreira@sapo.pt;

(ii) luismoreira@envc.pt

3. Mensagem que enviei ao Luís:

Luís F. Moreira (para não não fazer confusão com o outro Luís Moreira, ex-Alf. Mil. Sapador da CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/71):

Já publiquei o teu apelo no nosso blogue. Manda mais dados sobre a tua "guerra"... Não temos nada sobre Bula, [que fica a norte de Bissau, já na região do Cacheu ]... Quanto a Capunga, há pelo menos duas localidades com esse nome... Se tiveres fotos, documentos, estórias, estás à vontade... Já somos porventura a melhor fonte, a mais autêntica, a mais pura, mais espeontânea, de informação sobre a guerra da Guiné (1963/74)... Por este andar ainda vamos todos apanhar uma medalha de cortiça, por relevantes serviços à Pátria, no dez de Junho...

Fragata Alm. Magalhães Corrêa, construída em 1968, nos Estaleiros Navais de Viana de Castelo, uma empresa que honra a nossa longa e rica tradição na arte e na ciência da construção naval e onde trabalham (ou já trabalharam) alguns dos nossos queridos tertulianos.


Fonte: ENVC (2005) (com a devida vénia)

Já percebi que trabalhas com o Sousa de Castro (que é o pai desta tertúlia) e outros camaradas, aí nos ENVC. Segunda feira vou a um congresso a Braga, "botar discurso", mas não dá para dar um salto a Viana... Mas prometo ainda um dia fazer uma visita ao Sousa de Castro, ao Américo Marques, ao Manuel Castro e agora a ti (não sei se me esqueci de mais algum valente camarada dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo)... Vai dando notícias. Já somos vários Luíses... Fica com os nossos endereços, o do blogue e das várias páginas. E vai divulgando a coisa, aí pelo Alto Minho (podes entrar pela Galiza dentro, se lá houver rapaziada da Guiné...).

Luís Graça

Guiné 63/74 - CCXXII: Operação Guiné-Bissau 2006 (2)

Mensagem do Jorge Neto, enviada de Bissau à 1.51h da madrugada de hoje:

Caro Luís [Graça]e João [Tunes]:

Os agradecimentos pelas palavras elogiosas publicaram-se no blog [Africanidades: vd. post com data de hoje > Pegar de caras os fantasmas do colonialismo e da guerra do Ultramar].

Quanto ao restante, estou disponível para ajudar a preparar essa viagem. O que for preciso da minha parte é só pedir. Com uma condição. Imagino que uma vez cá, queiram dar uma volta pelos locais onde passaram. Bom, têm que me deixar ir convosco para fazer a reportagem. Se não houver lugar na cabine do 4x4 posso ir mesmo lá atrás, na caixa, onde viajam as galinhas! Eu garanto que ainda não sofro das costas.

Em resposta à provocação do João, devo dizer que o pior da viagem por terra é mesmo a Guiné-Bissau, onde as vias rodoviárias não são estradas com buracos, mas sim buracos com estrada. Sofrem mais as costas nessa centena de quilómetros que nos 4900 restantes. No entanto eu percebo essa preocupação. Venha lá de avião que a malta pede ao presidente Nino para disponibilizar a banda e ir esperar-vos ao aeroporto!

Quanto a colaborações no Blogue-Fora-Nada, dentro das minhas possibilidades tentarei. Como disse no post de agradecimento (vide AFRICANIDADES) não percebo nada de guerras. Talvez consiga de vez em quando uma ou outra foto de quartéis. Tiradas à socapa que nessas coisas de "Segurança de Estado" os militares guineenses continuam muito briosos. Pode o quartel ser um amontoado de tijolos sem telhado que se veja, mas se o turista tira o retrato está em apuros.

Um abraço e uma vez mais obrigado

Jorge Neto

Guiné 63/74 - CCXXII: Operação Guiné-Bissau 2006 (2)

Mensagem do Jorge Neto, enviada de Bissau à 1.51h da madrugada de hoje:

Caro Luís [Graça]e João [Tunes]:

Os agradecimentos pelas palavras elogiosas publicaram-se no blog [Africanidades: vd. post com data de hoje > Pegar de caras os fantasmas do colonialismo e da guerra do Ultramar].

Quanto ao restante, estou disponível para ajudar a preparar essa viagem. O que for preciso da minha parte é só pedir. Com uma condição. Imagino que uma vez cá, queiram dar uma volta pelos locais onde passaram. Bom, têm que me deixar ir convosco para fazer a reportagem. Se não houver lugar na cabine do 4x4 posso ir mesmo lá atrás, na caixa, onde viajam as galinhas! Eu garanto que ainda não sofro das costas.

Em resposta à provocação do João, devo dizer que o pior da viagem por terra é mesmo a Guiné-Bissau, onde as vias rodoviárias não são estradas com buracos, mas sim buracos com estrada. Sofrem mais as costas nessa centena de quilómetros que nos 4900 restantes. No entanto eu percebo essa preocupação. Venha lá de avião que a malta pede ao presidente Nino para disponibilizar a banda e ir esperar-vos ao aeroporto!

Quanto a colaborações no Blogue-Fora-Nada, dentro das minhas possibilidades tentarei. Como disse no post de agradecimento (vide AFRICANIDADES) não percebo nada de guerras. Talvez consiga de vez em quando uma ou outra foto de quartéis. Tiradas à socapa que nessas coisas de "Segurança de Estado" os militares guineenses continuam muito briosos. Pode o quartel ser um amontoado de tijolos sem telhado que se veja, mas se o turista tira o retrato está em apuros.

Um abraço e uma vez mais obrigado

Jorge Neto

Guiné 63/74 - CCXXI: Operação Guiné-Bissau 2006 (1)

1. Na nossa tertúlia (virtual) já se falou na agradável, se não mesmo excitante, hipótese de um encontro de 1º grau. A oportunidade, eventualmente, mais próxima poderia ser ainda este ano ou mais provavelmente no início de 2006, por ocasião da realização das provas de mestrado do nosso paisano, historiador e ilustre guineense, o Leopoldo Amado, que está a finalizar a sua tese de dissertação sobre a dicotomia guerra colonial / guerra de libertação (Guiné 63/74). Essas provas, ainda sem data mnarcada, deverão realizar-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ao Campo Grande.

Este primeiro encontro poderia reunir, sem grande aparato logístico, quase a custo zero, os tertulianos, mouros ou não, que residam na área da Grande Lisboa (Mas todos os outros serão bem vindos).

Um segundo encontro, de 1º grau, já teria que ser mais alargado, e eventualmente falou-se na hipótese de ser a norte do Douro, para juntar mouros e morcões.

O João Tunes, mais rápido do que o Speedy Gonzalez, veio logo fazer uma sugestão ainda mais radical: é aquilo a que eu chamo a Operação Guiné-Bissau 2006... Oicemos o nosso tenente Tunes (a ideia já circulou pelo circuito-fechado da tertúlia; passo a divulgá-la pelo ciberespaço, de modo a chegar a outros possíveis interessados). LG

2. Texto do João Tunes:


(...) Outra [proposta de encontro](que já tive o atrevimento de alvitrar ao Paulo e ao Jorge Neto, do "Africanidades"), esta mesma de VIP, ou manga de ronco, e que seria em ... Bissau!... Com programa extra de complemento de "parte social" com saltadas a Pelundo, Olossato, Xitole, Bambadinca, Catió e...).

Só que esta exige puxar dos cordões à bolsa e deveria ser programada para o ano (mas ainda quando o Paulo estivesse em Bissau).

Proponho que se aprovem as operações. Com as emendas necessárias, é claro!, que nem o Luís nem eu nos chamamos Jerónimo nem isto anda ao toque de caixa do centralismo democrático. Mas sem rebaldarias, que isto não é tropa manifestante, é tropa disciplinada e medalhada, nem nos lembrámos ainda de metermos as nossas esposas (ou esposos ... para não me acusarem de homofóbico) a darem a cara por nós.

Depois, é distribuir as missões aos grupos de combate. Eu cá estarei para me desenrascar com o que me calhar em sorte. Obedecendo ao nosso Cmdt-Chefe Luís (relativamente ao qual só me volto a insubordinar se ele se lembrar de usar caco).

Guiné 63/74 - CCXXI: Operação Guiné-Bissau 2006 (1)

1. Na nossa tertúlia (virtual) já se falou na agradável, se não mesmo excitante, hipótese de um encontro de 1º grau. A oportunidade, eventualmente, mais próxima poderia ser ainda este ano ou mais provavelmente no início de 2006, por ocasião da realização das provas de mestrado do nosso paisano, historiador e ilustre guineense, o Leopoldo Amado, que está a finalizar a sua tese de dissertação sobre a dicotomia guerra colonial / guerra de libertação (Guiné 63/74). Essas provas, ainda sem data mnarcada, deverão realizar-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ao Campo Grande.

Este primeiro encontro poderia reunir, sem grande aparato logístico, quase a custo zero, os tertulianos, mouros ou não, que residam na área da Grande Lisboa (Mas todos os outros serão bem vindos).

Um segundo encontro, de 1º grau, já teria que ser mais alargado, e eventualmente falou-se na hipótese de ser a norte do Douro, para juntar mouros e morcões.

O João Tunes, mais rápido do que o Speedy Gonzalez, veio logo fazer uma sugestão ainda mais radical: é aquilo a que eu chamo a Operação Guiné-Bissau 2006... Oicemos o nosso tenente Tunes (a ideia já circulou pelo circuito-fechado da tertúlia; passo a divulgá-la pelo ciberespaço, de modo a chegar a outros possíveis interessados). LG

2. Texto do João Tunes:


(...) Outra [proposta de encontro](que já tive o atrevimento de alvitrar ao Paulo e ao Jorge Neto, do "Africanidades"), esta mesma de VIP, ou manga de ronco, e que seria em ... Bissau!... Com programa extra de complemento de "parte social" com saltadas a Pelundo, Olossato, Xitole, Bambadinca, Catió e...).

Só que esta exige puxar dos cordões à bolsa e deveria ser programada para o ano (mas ainda quando o Paulo estivesse em Bissau).

Proponho que se aprovem as operações. Com as emendas necessárias, é claro!, que nem o Luís nem eu nos chamamos Jerónimo nem isto anda ao toque de caixa do centralismo democrático. Mas sem rebaldarias, que isto não é tropa manifestante, é tropa disciplinada e medalhada, nem nos lembrámos ainda de metermos as nossas esposas (ou esposos ... para não me acusarem de homofóbico) a darem a cara por nós.

Depois, é distribuir as missões aos grupos de combate. Eu cá estarei para me desenrascar com o que me calhar em sorte. Obedecendo ao nosso Cmdt-Chefe Luís (relativamente ao qual só me volto a insubordinar se ele se lembrar de usar caco).

Guiné 63/74 - CCXX: Fotos do Pelundo, na região do Cacheu!

Texto do João Tunes [que foi Alf. Mil. de Transmissões, em 1970, na CCS de um batalhão, aquartelado no Pelundo, de que ele já não sabe o número de identificação, ou não quer saber; e se sabe, não nos diz: ele lá sabe porquê...]


Camarigos (*),

Em tempos recebi e publiquei estas duas fotos relativas ao Pelundo [vd. post do autor no seu anterior blogue, o Bota Acima, com data de 30 de Abril de 2004].

Foram tiradas pelo último Alf. Mil. de Transmissões lá colocado (João Lemos), portanto um dos meus "sucessores", antes de o quartel e sede de Batalhão ser abandonado e entregue ao PAIGC, e que ele deu autorização para divulgação pública.


© João Lemos (2005)









Refira-se que no Pelundo (perto de Teixeira Pinto/Canchungo)(1) estava a sede do Batalhão, a CCS e uma companhia operacional. [No Pelundo estava ainda o comando de ] companhias operacionais destacadas em Jolmete e em Có.





© João Lemos (2005)


Uma das fotos é do aquartelamento e a outra fixa o momento em que as ex-NT e o ex-IN confraternizam enquanto o comando local do PAIGC avança para tomar posse do aquartelamento.

Podem ser publicadas, devendo mencionar-se que a sua autoria é do João Lemos.


Mantenha pa nhos tudu.

João Tunes


(*) Forma preguiçosa de dizer "camaradas e amigos"
____________

Nota de L.G.

(1) Na região do Cacheu, na bacia hidrográfica do Rio Mansoa, entre Canchungo/Teixeira Pinto e Bula, a noroeste de Bissau: vd. mapas >

Guiné-Bissau > Mapa 1

Província Portuguesa da Guiné > Carta dos Serviços Cartográficos do Exército (1961)

Guiné 63/74 - CCXX: Fotos do Pelundo, na região do Cacheu!

Texto do João Tunes [que foi Alf. Mil. de Transmissões, em 1970, na CCS de um batalhão, aquartelado no Pelundo, de que ele já não sabe o número de identificação, ou não quer saber; e se sabe, não nos diz: ele lá sabe porquê...]


Camarigos (*),

Em tempos recebi e publiquei estas duas fotos relativas ao Pelundo [vd. post do autor no seu anterior blogue, o Bota Acima, com data de 30 de Abril de 2004].

Foram tiradas pelo último Alf. Mil. de Transmissões lá colocado (João Lemos), portanto um dos meus "sucessores", antes de o quartel e sede de Batalhão ser abandonado e entregue ao PAIGC, e que ele deu autorização para divulgação pública.


© João Lemos (2005)









Refira-se que no Pelundo (perto de Teixeira Pinto/Canchungo)(1) estava a sede do Batalhão, a CCS e uma companhia operacional. [No Pelundo estava ainda o comando de ] companhias operacionais destacadas em Jolmete e em Có.





© João Lemos (2005)


Uma das fotos é do aquartelamento e a outra fixa o momento em que as ex-NT e o ex-IN confraternizam enquanto o comando local do PAIGC avança para tomar posse do aquartelamento.

Podem ser publicadas, devendo mencionar-se que a sua autoria é do João Lemos.


Mantenha pa nhos tudu.

João Tunes


(*) Forma preguiçosa de dizer "camaradas e amigos"
____________

Nota de L.G.

(1) Na região do Cacheu, na bacia hidrográfica do Rio Mansoa, entre Canchungo/Teixeira Pinto e Bula, a noroeste de Bissau: vd. mapas >

Guiné-Bissau > Mapa 1

Província Portuguesa da Guiné > Carta dos Serviços Cartográficos do Exército (1961)

Guiné 63/74 - CCXIX: A origem das palavras 'turra' e 'tuga'

© Manuel Ferreira (2005)

Tugas da CART 3494 (1972 /74), jantando leitão, na sua caserna-abrigo no Xime (1972).


Texto do João Tunes (que, entre muitos outros talentos, é um conhecido cinéfilo e um artesão da palavra):

O termo tuga não tem a raíz que o Luís lhe atribui. De facto, ele acabaria por ser adoptado pelos nossos soldados (e, espanto dos meus espantos, até serviria recentemente para exaltação de marketing da nossa mobilização futebolística no Euro!).

Mas a origem do termo tuga (abreviatura de portuga que, por sua vez, abreviava o português) foi uma devolução de insulto por parte dos guerrilheiros perante o turra com que a propaganda colonial os tratou (julgo que os mesmos termos - turra e tuga - foram utilizados na Guiné, em Angola e em Moçambique). Ou seja, uma resposta léxica à indução de terrorista mais "estúpido, primário" e que, resultando na força da brevidade insultuosa de turra, permitia injuriar com brevidade, repulsa e força.

Então, a volta do correio no insulto, vinha no tuga (a guerrilha recuperava e devolvia o tu associando terrorismo com a marca de nacionalidade portuguesa e de presença exógena em África).

O facto de o insulto ter sido adoptado pelo insultado (não me constando que, simetricamente, os guerrilheiros alguma vez tenham usado o turra entre eles), quando os soldados portugueses, entre si, se chamavam de tugas, terá a ver com a nossa capacidade de interiorizarmos a noção de pequenez e, afinal, sabermos que a nossa distância civilizacional não estava assim tanto nas antípodas do nível cultural dos que combatíamos.

© Agência de Notícias Xinhua (1972)

Guerrilheiros do PAIGC em posição de combate (ou em pose fotográfica ?) (O termo injurioso turra era usado por alguns de nós para designar os combatentes do PAIGC; apesar de tudo, a guerrilha do PAIGC impunha respeito às NT, em grande parte devido a estatura política e moral do seu líder, o Eng. Amílcar Cabral, mas também pelo valor militar de alguns dos seus comandantes, como o Nino Vieira).


2. Comentário de L.G.

Deixo aqui a resposta de um especialista da língua portuguesa, o angolano Rui Ramos, a uma pergunta de utilizadora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (aliás, aconselho vivamente os nossos tertulianos a visitarem este sítio sempre que tiverem dúvidas sobre uma palavra ou uma expressão: é uma caixinha de surpresas, um autêntico consultório da língua portuguesa - procurado diariamente pro milhares de utentes -, um verdadeiro serviço público à lusofonia, um sítio que tem tido uma vida de sobressaltos, depois de criado em 1997 pelo José Mário Costa e pelo saudoso jornalista João Carreira Bom).

Pergunta:

"Li algures que a palavra tuga era pejorativa. Não a encontro em nenhum dicionário mas de facto tornou-se conhecida pois foi o nome dado à Selecção Nacional aquando do Mundial 2002. A pergunta é: a palavra existe? E é pejorativa?" Manuela Couto. Portugal.


Resposta:

"A palavra tuga é de facto pejorativa. Surgiu em contraponto à palavra turra ('terrorista') que os colonos portugueses em África usavam para designar os que, com armas, se opunham ao colonialismo. Surgiu na década de 60, já em plena luta armada de libertação nacional.

"Eu próprio a usava, já inserido na luta clandestina do MPLA em Luanda, para falar dos soldados portugueses em Angola. 'Turra-Tuga' é uma dicotomia que faz parte integrante da luta anticolonial e que, já se vê, define o lado mau da luta.

"Por isso eu desde o início considerei que a palavra tinha sido muito mal escolhida para a selecção portuguesa devido à carga guerreira, colonial e incivilizada, porque parece homenagear um dos períodos mais tristes da História de Portugal.

"Em sentido mais amplo temos a expressão pula (os imigrantes africanos tratam, invariavelmente, os brancos por esta palavra)". Rui Ramos. 07/01/2003.

Guiné 63/74 - CCXIX: A origem das palavras 'turra' e 'tuga'

© Manuel Ferreira (2005)

Tugas da CART 3494 (1972 /74), jantando leitão, na sua caserna-abrigo no Xime (1972).


Texto do João Tunes (que, entre muitos outros talentos, é um conhecido cinéfilo e um artesão da palavra):

O termo tuga não tem a raíz que o Luís lhe atribui. De facto, ele acabaria por ser adoptado pelos nossos soldados (e, espanto dos meus espantos, até serviria recentemente para exaltação de marketing da nossa mobilização futebolística no Euro!).

Mas a origem do termo tuga (abreviatura de portuga que, por sua vez, abreviava o português) foi uma devolução de insulto por parte dos guerrilheiros perante o turra com que a propaganda colonial os tratou (julgo que os mesmos termos - turra e tuga - foram utilizados na Guiné, em Angola e em Moçambique). Ou seja, uma resposta léxica à indução de terrorista mais "estúpido, primário" e que, resultando na força da brevidade insultuosa de turra, permitia injuriar com brevidade, repulsa e força.

Então, a volta do correio no insulto, vinha no tuga (a guerrilha recuperava e devolvia o tu associando terrorismo com a marca de nacionalidade portuguesa e de presença exógena em África).

O facto de o insulto ter sido adoptado pelo insultado (não me constando que, simetricamente, os guerrilheiros alguma vez tenham usado o turra entre eles), quando os soldados portugueses, entre si, se chamavam de tugas, terá a ver com a nossa capacidade de interiorizarmos a noção de pequenez e, afinal, sabermos que a nossa distância civilizacional não estava assim tanto nas antípodas do nível cultural dos que combatíamos.

© Agência de Notícias Xinhua (1972)

Guerrilheiros do PAIGC em posição de combate (ou em pose fotográfica ?) (O termo injurioso turra era usado por alguns de nós para designar os combatentes do PAIGC; apesar de tudo, a guerrilha do PAIGC impunha respeito às NT, em grande parte devido a estatura política e moral do seu líder, o Eng. Amílcar Cabral, mas também pelo valor militar de alguns dos seus comandantes, como o Nino Vieira).


2. Comentário de L.G.

Deixo aqui a resposta de um especialista da língua portuguesa, o angolano Rui Ramos, a uma pergunta de utilizadora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (aliás, aconselho vivamente os nossos tertulianos a visitarem este sítio sempre que tiverem dúvidas sobre uma palavra ou uma expressão: é uma caixinha de surpresas, um autêntico consultório da língua portuguesa - procurado diariamente pro milhares de utentes -, um verdadeiro serviço público à lusofonia, um sítio que tem tido uma vida de sobressaltos, depois de criado em 1997 pelo José Mário Costa e pelo saudoso jornalista João Carreira Bom).

Pergunta:

"Li algures que a palavra tuga era pejorativa. Não a encontro em nenhum dicionário mas de facto tornou-se conhecida pois foi o nome dado à Selecção Nacional aquando do Mundial 2002. A pergunta é: a palavra existe? E é pejorativa?" Manuela Couto. Portugal.


Resposta:

"A palavra tuga é de facto pejorativa. Surgiu em contraponto à palavra turra ('terrorista') que os colonos portugueses em África usavam para designar os que, com armas, se opunham ao colonialismo. Surgiu na década de 60, já em plena luta armada de libertação nacional.

"Eu próprio a usava, já inserido na luta clandestina do MPLA em Luanda, para falar dos soldados portugueses em Angola. 'Turra-Tuga' é uma dicotomia que faz parte integrante da luta anticolonial e que, já se vê, define o lado mau da luta.

"Por isso eu desde o início considerei que a palavra tinha sido muito mal escolhida para a selecção portuguesa devido à carga guerreira, colonial e incivilizada, porque parece homenagear um dos períodos mais tristes da História de Portugal.

"Em sentido mais amplo temos a expressão pula (os imigrantes africanos tratam, invariavelmente, os brancos por esta palavra)". Rui Ramos. 07/01/2003.

Guiné 63/74 - CCXVII: Aquela lufada de ar quente que vem das bolanhas de Brá e de Safim...

Capa do romance de Boris Vian (1920-1959), L'écume des jours , que está de resto traduzido em português já há muitos anos, A Espuma dos Dias). Um dos livros de referência da geração do existencialismo. Lido no Olossato no tempo da guerra colonial ... Para levar na bagagem de um tertuliano e reler hoje em Bissau...

Fonte: Le petit cahier du grand BORIS VIAN (29.09.2005)

Texto de Paulo Salgado, que estava com insónias, na penúltima última noite, antes de partir para Bissau:

Luís,

Já escolhemos - a minha mulher e eu. Ela não foi soldado, mas qualquer dia entra como bloguista, juro-vos; ela até me atira:
- E se vivessemos sempre em Bissau?!

Eu fico admirado, palavra; estive 18 anos para ir à República da Guiné-Bissau e ela, sempre na nega:

- Não te chegou a guerra?!
- Bolas, tu não compreendes - ...Até que foi passar comigo o fim de ano de 1990...e depois bebeu a água do Pidjiguiti !

Pois é, já escolhemos os livros e os discos. Lá vão alguns clássicos, para revisitar, um ou outro ensaio:
- Ah, ela meteu as Farpas (parece que vêm a propósito, nesta quadra eleitoral)...

Eu, pela minha parte, pus a Mahalia Jackson, a Areta, o Zeca, o Adriano (porra, então não houvera de ser: no Olossato ouvíamo-los antes de sair para as emboscadas!...quantos de vós não fizeram o mesmo ?!).

Não sei por que razão, o Moura Marques - grande cabo e amigo e camaradão e companheirão - um calmeirão que vive em Tires (carago, ainda não lhe liguei a dizer que vou mais uma vez) lá ia ouvir a 5.ª Sinfonia (não sei bem a razão desta audição, mas pronto).

O pior é a merda dos livros de trabalho. Pensava eu que sabia muito. Pus-me a ver o que me fazia falta: e lá vão coisas sobre recursos humanos, armazéns, procedimentos, processos clínicos, estatística - quando sei que, apesar de tudo, o que é preciso é ouvir os companheiros com quem vou trabalhar.

As malas estão quase prontas, claro o computador e o mail atrelado (faz-me falta para entrar em contacto com a equipa de retaguarda! O Luís Graça tem razão, vocês são a equipa de retaguarda.)

Mas lembrei-me agora: a minha Paula, filha com trinta anos, quase doutora investigadora em Oxford (ainda dizia aquela senhora que esta era uma juventudo rasca!), e que fez o 11.º ano em Bissau. E como ela é importante para mim. Quando vou visitá-la a Oxford, estamos no paleio até às 3 da matina... Como é bom aprender com os jovens; o namorado entra na conversa, mas o puto nunca esteve em Bissau, bolas. Ela é amiga...é diferente...

Estou meio tonto a escrever, porque me sabe bem estar a falar convosco. Ainda há momentos falei com a Dr.ª Maria Lopes Cardoso, da Universidade Católica, por causa de um puto, filho de um senhor (na altura ele era puto em Nhacra) que queria vir estudar para cá; mas é difícil... Todavia, como a Dr.ª Maria Lopes Cardoso me encantou com a sua amizade e sentido de justiça...

Tenho que meter alguma filosofia - ajuda a descontrair. Poesia, muita. Policiais é com minha mulher. Meto também a Antologia Poética da Guiné-Bissau (edição de 90...) e o dicionário de crioulo. Alguns ditus são notáveis.

Já me esquecia que tenho que dar um palpite sobre o discurso de um camarada e amigo olossatense que é candidato a uma junta de freguesia para os lados da Póvoa, ele que foi pescador - quer a minha opinião. Eu bem lhe disse:
- Tu é que conheces bem o Povo, o teu Povo, bolas. Tu é que lhes podes transmitir, com as tuas palavras, o que desejas para a freguesia... - Mas ele insistiu...

Já sei o que nos espera, quando aterrarmos: aquela lufada de ar quente que vem das bolanhas de Brá e de Safim batendo nas ventas e no corpo - parece que a Máfrica entra em nós.

E os putos:
- Patim, um euro! Misti taxi?
Acotovelamo-nos, suados.

E depois o Sr. João, motorista. Solícito mas firme; educado, mas sem baixar a cerviz:
- Kumma di biaje? Família sta diritu?
- Io, Sr. João.

Estou a imaginar. A conversar. Já passa da meia noite e o sono não vem. A Maria da Conceição já me chamou, mas eu, moita carrasco. Quero estar aqui. Um acto de solidão - mas partilhada.

Gostava de fazer um poema
feito de luzes e de sombras
em louvor
à camaradagem

Gostava de fazer um poema
feito de saudades e abraços
em louvor
ao amor

Gostava de fazer um poema
feito de madrugadas serenas
em louvor
aos que amam a esperança

Como vedes, amigos e camaradas (ainda não consigo dizer caramigos - hei-de conseguir...), estou a sonhar acordado.

Estou de novo no meu quarto-escritório. Já me esquecia da Espuma dos Dias (o Mário Tomé emprestou-me o livrinho naqueles idos anos de 70...) (1), tenho que relê-lo. Certamente vamos pagar peso a mais no aeroporto de Sá Carneiro:
- Já meteste lá umas garrafas, não sei como vai ser -... As cautelas de mulher sábia...

Olha, Luís, ao menos estive convosco, antes de partir...

Amanhã ainda tenho que ir ao SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], regularizar a situação de uma miúda que sofreu queimaduras numa mão- e nós vamos levá-la...a M'ma Baboura!

Até sempre, camaradas.

____________

Nota de L.G.

(1) Romance do escritor francês Boris Vian (1920-1959), um enfant terrible, ligado ao existencialismo, amigo de Sartre e de Beauvoir. Publicado em 1947, foi um livro que marcou muito a geração que fez a guerra colonial, ou pelo menos aqueles de nós mais dados às coisas da literatura.

Curioso, também foi um dos muitos livros que eu levei na minha mala, no N/M Niassa, convencido de que ia passar umas férias tropicais... Boris Vian, boémio, iconoclasta, príncipe de Saint Germain des Près, trompetista de jazz, poeta, é autor de poemas e letras de canções, eternas, como Le déserteur [ O desertor] (1954). Cliquem neste link para ler o poema e a ouvir a música...

Guiné 63/74 - CCXVII: Aquela lufada de ar quente que vem das bolanhas de Brá e de Safim...

Capa do romance de Boris Vian (1920-1959), L'écume des jours , que está de resto traduzido em português já há muitos anos, A Espuma dos Dias). Um dos livros de referência da geração do existencialismo. Lido no Olossato no tempo da guerra colonial ... Para levar na bagagem de um tertuliano e reler hoje em Bissau...

Fonte: Le petit cahier du grand BORIS VIAN (29.09.2005)

Texto de Paulo Salgado, que estava com insónias, na penúltima última noite, antes de partir para Bissau:

Luís,

Já escolhemos - a minha mulher e eu. Ela não foi soldado, mas qualquer dia entra como bloguista, juro-vos; ela até me atira:
- E se vivessemos sempre em Bissau?!

Eu fico admirado, palavra; estive 18 anos para ir à República da Guiné-Bissau e ela, sempre na nega:

- Não te chegou a guerra?!
- Bolas, tu não compreendes - ...Até que foi passar comigo o fim de ano de 1990...e depois bebeu a água do Pidjiguiti !

Pois é, já escolhemos os livros e os discos. Lá vão alguns clássicos, para revisitar, um ou outro ensaio:
- Ah, ela meteu as Farpas (parece que vêm a propósito, nesta quadra eleitoral)...

Eu, pela minha parte, pus a Mahalia Jackson, a Areta, o Zeca, o Adriano (porra, então não houvera de ser: no Olossato ouvíamo-los antes de sair para as emboscadas!...quantos de vós não fizeram o mesmo ?!).

Não sei por que razão, o Moura Marques - grande cabo e amigo e camaradão e companheirão - um calmeirão que vive em Tires (carago, ainda não lhe liguei a dizer que vou mais uma vez) lá ia ouvir a 5.ª Sinfonia (não sei bem a razão desta audição, mas pronto).

O pior é a merda dos livros de trabalho. Pensava eu que sabia muito. Pus-me a ver o que me fazia falta: e lá vão coisas sobre recursos humanos, armazéns, procedimentos, processos clínicos, estatística - quando sei que, apesar de tudo, o que é preciso é ouvir os companheiros com quem vou trabalhar.

As malas estão quase prontas, claro o computador e o mail atrelado (faz-me falta para entrar em contacto com a equipa de retaguarda! O Luís Graça tem razão, vocês são a equipa de retaguarda.)

Mas lembrei-me agora: a minha Paula, filha com trinta anos, quase doutora investigadora em Oxford (ainda dizia aquela senhora que esta era uma juventudo rasca!), e que fez o 11.º ano em Bissau. E como ela é importante para mim. Quando vou visitá-la a Oxford, estamos no paleio até às 3 da matina... Como é bom aprender com os jovens; o namorado entra na conversa, mas o puto nunca esteve em Bissau, bolas. Ela é amiga...é diferente...

Estou meio tonto a escrever, porque me sabe bem estar a falar convosco. Ainda há momentos falei com a Dr.ª Maria Lopes Cardoso, da Universidade Católica, por causa de um puto, filho de um senhor (na altura ele era puto em Nhacra) que queria vir estudar para cá; mas é difícil... Todavia, como a Dr.ª Maria Lopes Cardoso me encantou com a sua amizade e sentido de justiça...

Tenho que meter alguma filosofia - ajuda a descontrair. Poesia, muita. Policiais é com minha mulher. Meto também a Antologia Poética da Guiné-Bissau (edição de 90...) e o dicionário de crioulo. Alguns ditus são notáveis.

Já me esquecia que tenho que dar um palpite sobre o discurso de um camarada e amigo olossatense que é candidato a uma junta de freguesia para os lados da Póvoa, ele que foi pescador - quer a minha opinião. Eu bem lhe disse:
- Tu é que conheces bem o Povo, o teu Povo, bolas. Tu é que lhes podes transmitir, com as tuas palavras, o que desejas para a freguesia... - Mas ele insistiu...

Já sei o que nos espera, quando aterrarmos: aquela lufada de ar quente que vem das bolanhas de Brá e de Safim batendo nas ventas e no corpo - parece que a Máfrica entra em nós.

E os putos:
- Patim, um euro! Misti taxi?
Acotovelamo-nos, suados.

E depois o Sr. João, motorista. Solícito mas firme; educado, mas sem baixar a cerviz:
- Kumma di biaje? Família sta diritu?
- Io, Sr. João.

Estou a imaginar. A conversar. Já passa da meia noite e o sono não vem. A Maria da Conceição já me chamou, mas eu, moita carrasco. Quero estar aqui. Um acto de solidão - mas partilhada.

Gostava de fazer um poema
feito de luzes e de sombras
em louvor
à camaradagem

Gostava de fazer um poema
feito de saudades e abraços
em louvor
ao amor

Gostava de fazer um poema
feito de madrugadas serenas
em louvor
aos que amam a esperança

Como vedes, amigos e camaradas (ainda não consigo dizer caramigos - hei-de conseguir...), estou a sonhar acordado.

Estou de novo no meu quarto-escritório. Já me esquecia da Espuma dos Dias (o Mário Tomé emprestou-me o livrinho naqueles idos anos de 70...) (1), tenho que relê-lo. Certamente vamos pagar peso a mais no aeroporto de Sá Carneiro:
- Já meteste lá umas garrafas, não sei como vai ser -... As cautelas de mulher sábia...

Olha, Luís, ao menos estive convosco, antes de partir...

Amanhã ainda tenho que ir ao SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], regularizar a situação de uma miúda que sofreu queimaduras numa mão- e nós vamos levá-la...a M'ma Baboura!

Até sempre, camaradas.

____________

Nota de L.G.

(1) Romance do escritor francês Boris Vian (1920-1959), um enfant terrible, ligado ao existencialismo, amigo de Sartre e de Beauvoir. Publicado em 1947, foi um livro que marcou muito a geração que fez a guerra colonial, ou pelo menos aqueles de nós mais dados às coisas da literatura.

Curioso, também foi um dos muitos livros que eu levei na minha mala, no N/M Niassa, convencido de que ia passar umas férias tropicais... Boris Vian, boémio, iconoclasta, príncipe de Saint Germain des Près, trompetista de jazz, poeta, é autor de poemas e letras de canções, eternas, como Le déserteur [ O desertor] (1954). Cliquem neste link para ler o poema e a ouvir a música...

28 setembro 2005

Guiné 63/74 - CCXVII: Para uma tertúlia eticamente correcta

1. Texto do João Tunes:

Camarigos,

Mais que justa esta mensagem-homenagem ao Jorge Neto. Aliás, já o disse, foi o blogue do Jorge Neto a quem devo ter repudiado a estúpida e impulsiva jura que fizera em 1971 de não voltar a meter os pés na Guiné. Lá quero voltar, e se o fizer grande parte da culpa será dele.

No entanto, o Luís que permita uma correcção ao texto editado no "nosso" blogue - o Jorge não é cooperante (digo-o porque ele em tempos teve o cuidado de fazer essa corecção). Ganha a vida em Guiné-Bissau por sua conta e risco. Isto é, não está lá alapado há anos com ordenado garantido e depositado pelo Santo Estado. O que lhe dá autonomia para se exprimir sobre o que vê e sente sem as amarras de respeito patronal e conveniências políticamente correctas. Tornando-se, a meu ver, num caso mais que interessante de um jovem que, por prisão ao sortilégio das terras africanas, ali vai ficando e não conseguindo arredar pé.

Confirmo que sugeri que se analisasse a hipótese de darmos um salto à Guiné e que, para isso, se solicitasse os apoios orientadores do Jorge e do Paulo. Mantenho a sugestão apresentada à Mesa para discussão e deliberação. Mas fica um aviso desde já - o Jorge que não se lembre de sugerir que a malta "velhinha" se meta numa traquitana rodoviária e vá por aí abaixo aos trambolhões por Algarve, Marrocos, Mauritânia, e tal mais Senegal, até chegar a Bissau.Ou seja, fazer o que ele costuma fazer nas suas idas e vindas da Guiné (usar um automóvel para ir e vir da Guiné, acampando pelo caminho, é coisa da idade dele, já não para a nossa). Nem com médica, enfermeira e massagista assistentes, nem mesmo que se desencantasse uma antiga enfermeira-paraquedista e camariga para nos acompanhar e ir consertando colunas e metendo almofadinhas por baixo dos veteranos rabos de militares retirados.

Termino o correio de hoje com um pedido-sugestão: Li na legenda de uma fotografia publicada no blogue esta indicação "soldado Pucha (era turra e foi capturado e ficou no nosso exército)". O termo "turra" (uma abreviatura de "terrorista") era de facto usada e incentivado o seu uso durante a guerra no sentido de estimular o ódio pelo IN.

Hoje, com o devido respeito a opiniões diferentes, não me parece que faça qualquer sentido continuar a utilizá-la (este e qualquer termo depreciativo, como não permitiríamos o inverso, ou seja, que um guinéu ofendesse com generalizações Portugal e os soldados portugueses). E é uma contradição, pelo menos em termos de cortesia devida, usar expressões destas e dizer-se que se continua a amar aquela terra, se lhe deseja um bom futuro, gostava de lá se voltar, tratando assim os que lutaram e arriscaram a vida pela independência da sua terra. Finalizando, fica, se me é permitido, o apelo à contenção no uso de termos de conotação desrespeitosa ou ofensiva. Obrigado.
Abraços.
João Tunes

2. Resposta do Luís Graça:

João (e restantes tertulianios:

Fica feita a correcção... Aumenta assim, ainda mais, o meu respeito pelo Jorge Neto. Quanto ao reparo em relação ao uso de termos racistas, xenófobos mas... também do calão castrense, lisboeta ou nortenho (de carvalho para cima!), o João tem toda a razão: (i) os tertulianos devem ser eticamente irrepreensíveis e não apenas "politicamente correctos"; (ii) temos de ter mais tento na língua (eu às vezes, esqueço-me que o blogue é um espaço público)...

Grupo de soldados do PEL CAÇ NAT 54 (Missirá, 1969/70). O segundo a contar da esquerda para a direita é o soldado Pucha (ex-guerrilheiro do PAIGC, capturado e integrado nas NT) © Mário Armas de Sousa (2005)


Vou retirar, de imediato, os termos que podem ser (ou são) insultuosos ou, no mínimo, deselegantes, usados recentemente no nosso blogue e nas nossas páginas... Com esta história, vamos criando o nosso próprio livro de estilo... Mais uma vez, aprecio a frontalidade e a franqueza do João. Espero que sejam, uma e outra, replicadas por todos vós... Quatro olhos e duas cabeças vêem sempre mais e melhor do que dois olhos e uma cabeça...

Vou proceder às correcções: estou certo que o Mário Armas de Sousa (foi ele que usou a expressão na legenda da foto do Pel Caç Nat 54) também concorda que o termo "turra" é hoje mesquinho, infeliz, racista, obsoleto... Podemos usá-lo em excertos literários, em documentos da época, etc. ... Ou até de uma maneira afectiva, tal como dizemos checa (em Moçambique) ou periquito (na Guiné), em relação aos militares mais novos que nos vinham substituir...

Por exemplo, há uma das canções do Niassa (1) , que se chama precisamente o "turra das minas" e outras o "fado do turra" (2). Transcrevo uma das letras:


O Turra das Minas

I

O turra das minas,
Pequeno e traquinas,
Lá vai na picada
E a malta escondida,
Na mata batida
Monta a emboscada.
O turra passou,
A malta esperou,
Já toda estafada,
E a Berliet
Sempre foi estoirada.

II

Ó turra das minas,
A tua vida agora
É pôr as marmitas
Pela estrada fora.
Oh turra das minas,
Tua arma soa
Por léguas e léguas,
Aqui no Niassa,
Onde a Guerra entoa [ecoa].

III

Há mortos e feridos
E os mais comidos
Somos sempre nós,
Vamos pelos ares,
Gritando por todos,
Até pelos avós.
Ó turra bairrista,
Mas pouco fadista,
Já é tradição
Ser paraquedista
Sem tirar o curso,
Ai isso é que não.

Refrão:

Oh turra das minas,
A tua vida agora... (2)


Neste contexto (que era o de guerra), não me parece totalmente ofensivo (nas guerras, incluindo nas guerras civis, o IN, o adversário, quem está do outro lado é sempre tratado em termos depreciativos: boche, rojo, comuna...) mas deve sempre pôr-se o termo em itálico ou entre aspas... Nesta canção do Niassa pode até dizer-se que o turra é (quase) um igual a nós, um combatente, temido e até certo ponto respeitado... Daí a própria existência da canção: não se faz uma canção de guerra a quem não é temido nem respeitado...

No meu tempo, o termo tuga era usado pelos próprios soldados africanos (os nossos nharros) quando me queriam criticar ou insultar, em crioulo ou em fula... Aliás, não sei qual deles é mais racista: tuga ou nharro... A única diferença é que o primeiro era usado pelos oprimidos e o segundo pelos opressores.

PS - Pergunto ao próprio (e aos tertulianso) se podemos incluir o Jorge Neto na nossa lista de endereços, passando desse modo a considerá-lo um novo tertuliano... Eu proponho o seu nome... Não sei se ele foi militar da tropa... Nem isso para o caso interessa... Para nós, ele é um amigo da Guiné, logo nosso, tal como o Zé Carlos Mussá Biai e o Leopoldo Amado, os dois paisanos do nosso grupo.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa

(2) Eu na altura não conhecia o Jorge Santos, mas a página dele foi muita valiosa para eu elaborar este texto:

Comentário de Jorge Santos: Fado de humor em que, como o nome indica, é o turra ou terrorista que põe as marmitas, as minas, nas picadas, os sejam, os caminhos através do mato.

Comentário de L.G.: Música de Joaquim Pimentel, fado "A Júlia Florista", uma das muitas criações de Amália. A Berliet era uma das viaturas mais usadas no transporte de tropas: de origem francesa, eram montadas no Tramagal.

Guiné 63/74 - CCXVII: Para uma tertúlia eticamente correcta

1. Texto do João Tunes:

Camarigos,

Mais que justa esta mensagem-homenagem ao Jorge Neto. Aliás, já o disse, foi o blogue do Jorge Neto a quem devo ter repudiado a estúpida e impulsiva jura que fizera em 1971 de não voltar a meter os pés na Guiné. Lá quero voltar, e se o fizer grande parte da culpa será dele.

No entanto, o Luís que permita uma correcção ao texto editado no "nosso" blogue - o Jorge não é cooperante (digo-o porque ele em tempos teve o cuidado de fazer essa corecção). Ganha a vida em Guiné-Bissau por sua conta e risco. Isto é, não está lá alapado há anos com ordenado garantido e depositado pelo Santo Estado. O que lhe dá autonomia para se exprimir sobre o que vê e sente sem as amarras de respeito patronal e conveniências políticamente correctas. Tornando-se, a meu ver, num caso mais que interessante de um jovem que, por prisão ao sortilégio das terras africanas, ali vai ficando e não conseguindo arredar pé.

Confirmo que sugeri que se analisasse a hipótese de darmos um salto à Guiné e que, para isso, se solicitasse os apoios orientadores do Jorge e do Paulo. Mantenho a sugestão apresentada à Mesa para discussão e deliberação. Mas fica um aviso desde já - o Jorge que não se lembre de sugerir que a malta "velhinha" se meta numa traquitana rodoviária e vá por aí abaixo aos trambolhões por Algarve, Marrocos, Mauritânia, e tal mais Senegal, até chegar a Bissau.Ou seja, fazer o que ele costuma fazer nas suas idas e vindas da Guiné (usar um automóvel para ir e vir da Guiné, acampando pelo caminho, é coisa da idade dele, já não para a nossa). Nem com médica, enfermeira e massagista assistentes, nem mesmo que se desencantasse uma antiga enfermeira-paraquedista e camariga para nos acompanhar e ir consertando colunas e metendo almofadinhas por baixo dos veteranos rabos de militares retirados.

Termino o correio de hoje com um pedido-sugestão: Li na legenda de uma fotografia publicada no blogue esta indicação "soldado Pucha (era turra e foi capturado e ficou no nosso exército)". O termo "turra" (uma abreviatura de "terrorista") era de facto usada e incentivado o seu uso durante a guerra no sentido de estimular o ódio pelo IN.

Hoje, com o devido respeito a opiniões diferentes, não me parece que faça qualquer sentido continuar a utilizá-la (este e qualquer termo depreciativo, como não permitiríamos o inverso, ou seja, que um guinéu ofendesse com generalizações Portugal e os soldados portugueses). E é uma contradição, pelo menos em termos de cortesia devida, usar expressões destas e dizer-se que se continua a amar aquela terra, se lhe deseja um bom futuro, gostava de lá se voltar, tratando assim os que lutaram e arriscaram a vida pela independência da sua terra. Finalizando, fica, se me é permitido, o apelo à contenção no uso de termos de conotação desrespeitosa ou ofensiva. Obrigado.
Abraços.
João Tunes

2. Resposta do Luís Graça:

João (e restantes tertulianios:

Fica feita a correcção... Aumenta assim, ainda mais, o meu respeito pelo Jorge Neto. Quanto ao reparo em relação ao uso de termos racistas, xenófobos mas... também do calão castrense, lisboeta ou nortenho (de carvalho para cima!), o João tem toda a razão: (i) os tertulianos devem ser eticamente irrepreensíveis e não apenas "politicamente correctos"; (ii) temos de ter mais tento na língua (eu às vezes, esqueço-me que o blogue é um espaço público)...

Grupo de soldados do PEL CAÇ NAT 54 (Missirá, 1969/70). O segundo a contar da esquerda para a direita é o soldado Pucha (ex-guerrilheiro do PAIGC, capturado e integrado nas NT) © Mário Armas de Sousa (2005)


Vou retirar, de imediato, os termos que podem ser (ou são) insultuosos ou, no mínimo, deselegantes, usados recentemente no nosso blogue e nas nossas páginas... Com esta história, vamos criando o nosso próprio livro de estilo... Mais uma vez, aprecio a frontalidade e a franqueza do João. Espero que sejam, uma e outra, replicadas por todos vós... Quatro olhos e duas cabeças vêem sempre mais e melhor do que dois olhos e uma cabeça...

Vou proceder às correcções: estou certo que o Mário Armas de Sousa (foi ele que usou a expressão na legenda da foto do Pel Caç Nat 54) também concorda que o termo "turra" é hoje mesquinho, infeliz, racista, obsoleto... Podemos usá-lo em excertos literários, em documentos da época, etc. ... Ou até de uma maneira afectiva, tal como dizemos checa (em Moçambique) ou periquito (na Guiné), em relação aos militares mais novos que nos vinham substituir...

Por exemplo, há uma das canções do Niassa (1) , que se chama precisamente o "turra das minas" e outras o "fado do turra" (2). Transcrevo uma das letras:


O Turra das Minas

I

O turra das minas,
Pequeno e traquinas,
Lá vai na picada
E a malta escondida,
Na mata batida
Monta a emboscada.
O turra passou,
A malta esperou,
Já toda estafada,
E a Berliet
Sempre foi estoirada.

II

Ó turra das minas,
A tua vida agora
É pôr as marmitas
Pela estrada fora.
Oh turra das minas,
Tua arma soa
Por léguas e léguas,
Aqui no Niassa,
Onde a Guerra entoa [ecoa].

III

Há mortos e feridos
E os mais comidos
Somos sempre nós,
Vamos pelos ares,
Gritando por todos,
Até pelos avós.
Ó turra bairrista,
Mas pouco fadista,
Já é tradição
Ser paraquedista
Sem tirar o curso,
Ai isso é que não.

Refrão:

Oh turra das minas,
A tua vida agora... (2)


Neste contexto (que era o de guerra), não me parece totalmente ofensivo (nas guerras, incluindo nas guerras civis, o IN, o adversário, quem está do outro lado é sempre tratado em termos depreciativos: boche, rojo, comuna...) mas deve sempre pôr-se o termo em itálico ou entre aspas... Nesta canção do Niassa pode até dizer-se que o turra é (quase) um igual a nós, um combatente, temido e até certo ponto respeitado... Daí a própria existência da canção: não se faz uma canção de guerra a quem não é temido nem respeitado...

No meu tempo, o termo tuga era usado pelos próprios soldados africanos (os nossos nharros) quando me queriam criticar ou insultar, em crioulo ou em fula... Aliás, não sei qual deles é mais racista: tuga ou nharro... A única diferença é que o primeiro era usado pelos oprimidos e o segundo pelos opressores.

PS - Pergunto ao próprio (e aos tertulianso) se podemos incluir o Jorge Neto na nossa lista de endereços, passando desse modo a considerá-lo um novo tertuliano... Eu proponho o seu nome... Não sei se ele foi militar da tropa... Nem isso para o caso interessa... Para nós, ele é um amigo da Guiné, logo nosso, tal como o Zé Carlos Mussá Biai e o Leopoldo Amado, os dois paisanos do nosso grupo.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa

(2) Eu na altura não conhecia o Jorge Santos, mas a página dele foi muita valiosa para eu elaborar este texto:

Comentário de Jorge Santos: Fado de humor em que, como o nome indica, é o turra ou terrorista que põe as marmitas, as minas, nas picadas, os sejam, os caminhos através do mato.

Comentário de L.G.: Música de Joaquim Pimentel, fado "A Júlia Florista", uma das muitas criações de Amália. A Berliet era uma das viaturas mais usadas no transporte de tropas: de origem francesa, eram montadas no Tramagal.