Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Rio Undunduma > 1970 >
Uma produção pecuária dependente da prática da transumância... Ontem como hoje.Mas actualmente enfenta crescentes problemas devido às divergências ao conflito entre entre as leis fundiárias tradicionais e os constrangimentos da poder político de Estado.
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)
Caracterização Socio-Económica da República da Guiné-Bissau
Texto da Dr. Conceição Salgado, economista e cooperante, membro da nossa tertúlia
A sociedade guineense é constituída por cerca de 1,2 milhões de pessoas (1999) distribuída por cerca de trinta etnias diferentes, as quais têm sabido manter uma louvável relação especial de coabitação, que, de acordo com a lição de Amílcar Cabral, e os princípios que nortearam a luta armada, souberam desenvolver, “aglutinando homens e ideias cimentadas na e pela prática, pois nunca um movimento de libertação em África conseguiu unir tantas etnias numa mesma luta, eliminando, [então] clivagens regionais ou tribais” (Lopes, C., 1982), ainda que continuem a existir os designados “chãos” (1).
A população urbana constitui 24,5 % (PNUD, 2001).
Guiné-Bissau: Um dos países mais pobres do mundo, com um rendimento nacional bruto por habitante de 160 dólares (em 2001)
Fonte: © Conceição Salgado (2006)
Bissau, a capital, tem hoje uma população estimada em cerca de 400.000 habitantes, grande parte proveniente do interior (um fenómeno que não resultou do evento militar de 1998), o que provoca situações de alto risco em termos de fome, de saúde, de habitação e de empregabilidade, de educação, de estrutura social, mesmo da destruição da diversidade étnica e cultural.
A República da Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo, de acordo com os relatórios da ONU. A organização económica da República da Guiné-Bissau apresenta as seguintes características gerais:
Guiné-Bissau: Um país cada vez mais pobre... O Produto Interno Bruto (PIB) passou de 256 milhões de dólares em 1991 para menos 199 milhões, em 2001
© Conceição Salgado (2006)
(i) economia de subsistência, repousando, essencialmente na agricultura e na pesca, essencialmente comunitária, pois os meios de produção (a terra e os instrumentos de trabalho) são propriedade comum da comunidade de base (a família), representando cerca de 60% do PIB;
(ii) formações pré-capitalistas;
(iii) separação de classes entre os camponeses, pequenos comerciantes e classe dirigente;
(iv) existência de relações mercantis internas em esferas limitadas;
(v) inexistência de comércio com o exterior, aspecto que nos reconduz ao colonialismo, o qual fez concentrar na minoria dirigente as transacções comerciais com o exterior (reduzindo-se a venda, quase exclusivamente, de caju e óleo de palma – monoculturas).
© Conceição Salgado (2006)
Crê-se que existe uma diminuição de cerca de 30% de terras incultas em relação aos meados da década de oitenta (principalmente as bolanhas) (2).
Na Guiné-Bissau coexistem, hoje, formas de produção tributárias (assentes na terra e distribuição comunitária); mercantis a nível interno ou pouco significativo com países vizinhos - actividade realizada pelos djilas (3) - e um reduzido comércio externo de carácter monopolista.
Na realidade, as grandes tarefas económicas ligadas à agricultura (lavoura da terra, colheita, transportes, trabalhos hidráulicos, etc.) são realizadas pelo trabalho comunitário que permanece fiel a valores ancestrais.
A economia de subsistência prima sobre a economia de mercado, mas existem traços mercantis a despontaram, ao longo das décadas de independência; algumas estruturas débeis, de cariz capitalista, ligadas ao frágil sector de exportação / importação, dominadas por uma diminuta minoria local e por vagos interesses exteriores.
Guiné-Bissau: A economia de substência prima pela economia de mercado...
© Conceição Salgado (2006)
As explorações agrícolas são de cariz familiar e concentradas junto das tabancas (4).
Guiné-Bissau: Predominância das explorações agrícolas de cariz familiar e comunitário
© Conceição Salgado (2006)
A agricultura é, ainda hoje, o sector mais importante na economia guineense, caracterizando-se por:
(i) uso intensivo da mão de obra;
(ii) escasso uso de meios tecnológicos;
(iii) diminuta utilização da tracção animal;
(iv) a rotação de culturas é prática comum, contribuindo para a degradação geral do meio ambiente;
(v) as principais culturas são: caju, arroz (até aos anos 60 a Guiné-Bissau exportava arroz), milho miúdo, sorgo, amendoim, mandioca e frutos tropicais.
Os recursos básicos são, por força do mercado, o caju (que ocupa cerca de 70% da população activa, sendo uma actividade sazonal), o amendoim, o óleo de palma, o coco, e as pescas, para além da exportação de madeiras.
Mas continua a ser mais fácil importar o arroz da China ou de outros países, uma vez que existem dois factores negativos que impedem a normal produção deste cereal:
(i) difíceis transportes internos para escoamento do arroz produzido na região sul do País;
(ii) interesses comerciais isolados.
© Conceição Salgado (2006) (5)
À fraca estrutura económica acresce uma baixa produtividade agrícola, um isolamento dos mercados internacionais, a fragilidade dos solos e a fraca produção alimentar não facilita a diversidade económica dos produtos primários para exportação. O comércio tradicional vem dando progressivamente lugar ao comércio por bruto, em especial do caju.
Nas zonas rurais, empobrecidas pelas migrações para a capital, as relações de tipo tributário são de longe as mais importantes; nas cidades, sobretudo Bissau, a macrocéfala capital, predomina o “modo de produção capitalista”.
As florestas, grande riqueza deste País, têm vindo a ser objecto de grandes intervenções negativas: intensos abates de árvores de alto porte e de grande valor natural e ecológico, e que, por um lado, servem para produzir carvão para consumo doméstico e, por outro, para exportação em favor de interesses comerciais, provocando a “savanização” da paisagem.
A produção pecuária depende basicamente da prática de transumância, «que enfrenta problemas crescentes devido às divergências entre as leis fundiárias tradicionais e as estatais» (Dias, J. R., 1996).
O subsolo não está especialmente analisado sob o ponto de vista das riquezas minerais, sendo conhecida a existência de bauxite e fosfatos, e ainda, ao que parece, de petróleo.
Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > O cajueiro vernelho © David J. Guimarães (2005) ... Ou a praga da cultura do caju... Segundo o José Carlos Mussà Biai (que é engenheiro florestal, mandinga do Xime, guineense e cidadão português, e membro da nossa tertúlia), as autoridades de Bissau têm estado nos últimos anos a incentivar a monocultura do caju. Os resultados podem vir a ser catastróficos para a população: em troca do caju, os agricultores recebem arroz, em quantidades que lhe dão para o ano todo. Desincentiva-se assim a cultura do arroz, que é importado e custa divisas. No ano em que houver um desastre na cultura do caju, vai haver fome... Além disso, "o cajueiro é como o eucalipto", destrói os solos... Em contrapartida, os povos do sul que cultivam o arroz não o conseguem escoar para Bissau por que não há uma rede viária e nem transportes em condições... Resultado: ficam os velhos e as crianças no interior, enquanto os mais novos vai engrossar o lumpen-proletariado de Bissau, hoje com um terço da população do país... (LG)
(Continua)
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Notas da autora:
(1) Chão: território predominantemente dominado por uma etnia, ao qual pode corresponder um Regulado
(2) Terras alagadiças de cultivo
(3) Djilas: pequenos comerciantes muçulmanos
(4) Tabanca – aldeia guineense
(5) Índice de produção > Ano base: 1989-91
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