23 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (norte) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba Estreito. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)


Texto do Jorge Cabral:

Caro Companheiro,

Estamos quase a almoçar juntos para pôr a conversa em dia. Envio outra estória e um poema. Temo que não sejam publicáveis, mas tu é que mandas, farás como entenderes melhor.

Um Grande Abraço de Até Sempre,

Jorge


Numa mão a espingarda, na outra…



Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto.

Nunca a vi, até porque, estando em vigor a cínica moral fascista, à rapariga, não sendo esposa legítima, foi logo vedada a frequência da messe [de oficiais], e até do próprio quartel, tendo sido relegada para a Tabanca, na qual ocupava uma apresentável morança, de larga vidraça sempre aberta, mesmo em frente a um dos postos de sentinela.

Tal posto transformou-se no preferido de toda a soldadesca que, quando em serviço, observava, acompanhando in solo , a actividade sexual do casal, cujas práticas inusitadas passaram a inspirar os eróticos sonhos, mesmo dos mais púdicos.

E tudo continuaria assim, com o óbvio benefício das repetidas descargas de tensão acumulada, não fosse em duas noites seguidas um soldado, quando de sentinela no referido posto, ter disparado, alertando toda a tropa para eminente ataque.

Que havia sucedido? Substituíra o militar a velha divisa camoniana “numa mão a espada, na outra a pena” por outra, mais prosaica, mas que ocupava também ambas as mãos, e quando acabava a função com a direita, não é que com a esquerda accionava o gatilho da G-3...

Jorge Cabral


Em Bissau


Estou bêbado estou sensato estou feliz
Vem dos sovacos um cheiro de Africana
Nas furnas da cerveja desfalece o Sargento
Apalpa o Alferes a puta berdiana
E o cabo vomita mãozinhas de vitela

Será que naufragou esta Caravela?
Que Pátria ainda mora aqui?


Bissau, Janeiro 70

Jorge Cabral

(ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71)

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