Guiné > 1972 > Eleição da Miss-Guiné 72: "A juventude guineense: presença e confiança no futuro, aliadas a uma indómita vontade de vencer". (in: Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão. Lisboa: edição de autor. 1972. 113).
(Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes, 2005)
CLARA
Boas notícias da metrópole! Para quem lá estava as coisas corriam bem. Mini-saias, calças à boca-de-sino. Nunca tinha visto, não fazia ideia como era, mas tudo bem, acreditava. Diziam que o comércio prosperava, que a têxtil e a construção cresciam. Que havia emprego. Que se construíam casas, se arranjavam outras, estradas novas, um pandemónio, espantados os que vinham de férias. E mais não se fazia porque, diziam, havia falta de mão-de-obra. Estavam cerca de 200.000 jovens no Ultramar mais os que se tinham pirado claro, não se podia ter tudo!
Por cá tudo bem, obrigado. Estava com 21 anos. Deixara Lisboa com o peito para fora, ia defender a Pátria dos terroristas a soldo de Moscovo. Sentia-se cansado mas também não se podia ter tudo, não é?
Calor húmido, o suor a escorrer pelo corpo todo, ora um chuveiro. Procurou roupa para se vestir. Só tinha um camuflado, o que trazia vestido. O Sany tinha lavado as camisas, cuecas, calças, toda a roupa que tinha, que não era muita que também não precisava, depois do Vidraças numa fúria que mais uma vez lhe deu no quarto, ter quebrado a caixa de Gin do furriel Morais. No quarto nem pensar entrar, cheirava a Gordon’s em Bissau inteira quanto mais em Brá! Lerpou, já não precisa do Gin, gritava o Vidraças para o tecto!
Guiné > Brá > 1966 > Centro de instrução e sede dos comandos. Recorde-se que foi aqui, em Brá, a nordeste de Bissau, que nasceram os comandos da Guiné, primeiro organizados em grupos e depois em companhia. Estes comandos, de primeira geração (ou os "velhos comandos") antecederam a primeira companhia de comandos metropolitana, formada em Lamego, e aqui chegada em Junho de 1966 (3ª CCmds).
© Virgínio Briote(2005)
Para espairecer nada melhor que uma volta. Toca, Alegre, que se faz tarde põe o ME-14-04 no piche para Bissau, põe essa chocolateira a andar. Vento quente na cara, curva do Hospital Militar, onde a propaganda dizia que ferido que lá entre já não morre, chiça que não fosse ele, recta para o bairro indígena de Bissau. As primeiras casas, gente, cães, cabras, tudo em câmara lenta.
Eh, pára aí, Alegre, que pressa danada, olha aquilo, o quê, meu alferes, aquela morena ali, não vês? Ah? Alegre, estás a vê-la bem? O meu alferes quer que faça marcha-atrás, qual atrás, Alegre, abre mas é os olhos e pára já aí! Põe-te à sombra, não demoro.
Onde se meteu? Perdeu-a de vista, mas uma beleza daquelas não pode desaparecer assim! E aí está ela outra vez, ah assim sim, dança a andar, onde terá aprendido?
Não acreditas? Está a olhar para ti, deve estar á tua espera, ou não? É contigo, não disfarces, estás a olhar para onde? Está espantada, sem saber bem o que fazer. E agora? Vai ter com ela, pode precisar de alguma coisa, nunca se sabe, estamos aqui uns para os outros, não foi isso que te ensinaram em Mafra, ajudar a população civil, a voz dentro dele não se calava, não foi? Pergunta-lhe o caminho, que te dê a mão e te leve, que interessa para onde?
Chegou-se a ela, a ferver. Boa tarde, como está? Que, boa não se pergunta, via-se!
O Joaquim já não mora aqui? Mas, qual Joaquim? Então, o Joaquim Comando, não conhece? E o seu nome qual é? Clara, que graça, fica bem consigo, não gosta do nome porquê? Então não conhece o Joaquim? E a mim também não? Não podemos estar aqui a falar? Onde então? Hoje não, Clara, porquê? Oh, esta semana também não? Só nãos, Clara, quando um sim? Então quando, Clara? Domingo às 2 da tarde aqui? Tanto tempo, Clara? Ah, aqui não, junto àquela casa? Clara…
Uma velha negra abre-lhe a porta da sala. A Clara está lá, passa roupa a ferro. Fresca, cabelo molhado a escorrer, vestido às flores, botões costas abaixo, que pernas, sandália rasa, até os pés pareciam ter levado pedra-pomes!
Boa tarde, Clara, mãos nem sabia aonde. Chegou-se a ela, um cheiro a fresco, tinha acabado de tomar banho, via-se. Porque quer falar comigo? Estou comprometida, sabe, alferes? Ele também, aliás estavam todos!
Clara, não resisti, enfim, quero conhecê-la, faz mal, pergunta? Estremeceu quando o sentiu encostar-se. Que está a fazer, alferes? Não podemos ficar assim só um bocadinho, Clara? Claro que não, não sou de pedra, o desejo não deixa, é grande demais, arrepia-se ao contacto dos dedos, os lábios dele no seu pescoço, ah, não posso, alferes, aliás não devo, poder posso, mas não devo.
O ferro pousado, a Clara ofegante, de costas, as nádegas pressionadas, as mãos dele nem acreditavam, os mamilos a quererem fugir das mamas inchadas. Ah, Clara, a tua pele, o teu cheiro! O vestido a abrir-se, os dedos dele a descer, ela toda arrepiada a dizer não, não posso, podes, Clara, não te está a saber bem? Está, alferes, mas não posso mais, vai-te embora, por favor, alferes, não posso mais!
Deitados no chão, o fumo do cigarro, Clara a querer mais brincadeira, senta-se, coxas abertas, mamas empinadas, é bom assim, suspira que sente, mexe-se devagar, gozo na cara…
Durou dois meses este encontro, sempre à mesma hora na casa da velha. Um prazer, um ritual obrigatório também, antes de uma saída para o mato, e depois de um bom banho, que prémio à chegada!
Até um dia em que, em má hora, passou e a viu pendurar roupa no arame. Não pares, não olhes para mim, vai-te embora que estragas tudo, Gil! Vais-te arrepender! Não me toques, ele está cá.
Viram-se todos ao mesmo tempo, o Gil, o sócio e a irmã dela. Então é você quem anda por aqui e eu é que pago as despesas, reponta. Ok, amigo, fique com a Clara! Já que come, pague ao menos a despesa!
Uma pena, mas teve que ser. Deixou de a procurar. Muitos meses depois numa rua de Bissau, uma voz conhecida, Gil! Parou, olhou para trás. Clara! Sorriso triste. Nunca mais me procuraste, quis tanto falar contigo mais que uma vez, não quiseste saber dos meus recados…
Envergonhado, baixou os olhos. Estava grávida. Foi a última vez que viu a Clara.
Virgínio Briote
(Ex-Al Mil Comando, Brá, 1965/67)
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