09 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXXXIV: As mesmas andanças (A. Marques Lopes)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > CART 1690 > Destacamento de Cantacunda > 1968 > Caminho para Cantacunda. A sede da Companhia, em Geba, ficava a 50 Km.

© A. Marques Lopes (2005)



1. Há um bocado telefonou-me o Jorge Cabral, o único de nós que não levou a guerra a sério e que se divertiu (à grande e à fula...) com a sua (co)missão... como comandante do famoso Pelotão de Caçadores Nativos nº 63... Já temos um almoço mais ou menos marcado para inícios de Fevereiro próximo. Dizia-me ele que se sente honrado por pertencer à nossa tertúlia; em contrapartida, acha que somos todos muitos sérios, que temos uma postura dramática, que ainda fizemos o luto da Guiné e que ele, pelo seu lado, gostaria de contar mais umas estórias divertidas, só que algumas são impublicáveis... Desafiei-o a pô-las em letra de forma, pelo que à volta cá o espero... Entertanto acabo de receber uma prosa, bem-humorada, do nosso coronel A. Marques Lopes que, espero, apreciem e tomem como exemplo e referência... Saibamos também recordar e reconstituir as peripécias, mais ou menos divertidas, por que passámos... Nem tudo foi sangue, suor e lágrimas... Ou foi ?

2. Texto do A. Marques Lopes:

Amigo Marques do Santos, caro camarada das mesmas andanças:

Fico contente por ter encontrado alguém que, como eu, também participou num dos maravilhosos cruzeiros daquele magnífico paquete de luxo que era o Ana Mafalda. Hás-de lembrar-te - eu nunca me hei-de esquecer! - daquela calma e serena saída da barra do Tejo (não sei se tu encontraste o Gregório, eu não, apesar de me fartar de chamar por ele durante a viagem), dos dias de gozo no imenso oceano Atlântico, antes de chegar à entrada do Geba. Comida farta, instalações maravilhosas, gente feliz, momentos inesquecíveis!

E também passaste, como eu, umas ricas férias naquela estância de Cantacunda. Quando eu lá estive as instalações não eram grande coisa, e parece que tu também tens algumas queixas a apresentar, mas, olha, não havia livro de reclamações (só agora o governo do Sócrates é que pensou nisso, mas nem o Salazar nem o Marcelo tinham pensado...).

Desculpa este sarcasmo logo de entrada. Mas o facto de (r)estarmos vivos depois daqueles tormentos passados é que nos dá a capacidade de conseguirmos relevar alguns aspectos irónicos que também tiveram (muitos dos nossos camaradas infelizmente não o podem fazer, porque morreram). São maravilhosos, por exemplo, os relatos do Cabral no nosso blogue.

Quanto ao Ana Mafalda, tu sabes do martírio daquela estadia, e eu também já contei.

Falando a sério de Cantacunda: Depois do ataque IN a este destacamento (na noite fatídica de 10/11 de Abril de 1968), o qual ficou quase totalmente destruído, teve de se proceder a construção do mesmo, com a ajuda do Pelotão de Sapadores da CCS/BCAV 1905:

- Reparação das fiadas de arame farpado;

- Início da construção da pista para DO ficando quase concluída, quando a CART 1690 de lá saíu;

- Reparação de abrigos;

- Construção de 3 abrigos-caserna;

- Construção de abrigo para metralhadora Breda;

- Construção de abrigo para morteiro;

- Reparação do celeiro e cozinha;

- Colocação de duas fiadas de arame farpado;

- Desmatação de uma densa zona arborizada com árvores de grande porte;

- Limpeza e capinagem do aquartelamento;

(Fonte: "História da Unidade - CART 1690")

Mas, como constataste, não terá sido suficiente. Mas penso que terão valido alguma coisa estas obras, dado que, em 26 de Outubro de 1971, já com outra companhia, portanto (ainda não descobri qual era), o destacamento foi atacado, tendo o IN ultrapassado a primeira linha de arame farpado, mas não conseguindo ir mais além; o destacamento aguentou-se e uma coluna que foi em seu auxílio, no dia seguinte, foi emboscada na estrada para Cantacunda (a tal da fotografia já colocada no blogue) e teve 7 mortos e 12 feridos.

"Delila", do Tom Jones, "Puppet on a string", da Sandy Shaw, e "O vento mudou", do Eduardo Nascimento, mas com outra letra (O vento mudou e ela não voltou, e ela partiu, puta qua pariu, nunca mais ninguém a viu...)... também cantámos disso com o giradisco roufenho, ligado ao frigorífico a petróleo! Mais que surrealista, acompanhadas do emborcamento das latas mandadas pelos americanos, de cerveja com cocacola, rum com cocacola, gin com cocacola... Tudo isto dava um filme (também nesta área, não temos aproveitado a fabulosa matéria-prima, burlesca, trágico-cómica, que temos).

Um abraço amigo e até sempre.

A. Marques Lopes

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