Caro José Martins:
Emociona este seu testemunho. Eu só faço uma pequena ideia do sofrimento de todos vocês, naquele momento trágico, nas horas e nos dias seguintes - em terras de solidão, em paragens dos confins da Guiné.
É por isso que lhe fiz algumas perguntas sobre a sua vivência deste momento tão triste, porque qualquer um se emociona ao recordá-lo e o espírito, quer queiramos ou não, é forçado a deixar-se invadir por esta ou aquela interrogação.
Aqueles homens, tão martirizados pelo fogo constante do opositor, meses e meses, quase ininterruptamente, quase isolados do resto da Guiné, estariam certamente a viver momentos de alívio e de alegria quando se encaminhavam para a margem esquerda do rio Corubal.
Num ápice, esses semblantes toldaram-se no fundo do rio. Que triste fim para quem, generosamente, tanto tinha dado já ao seu país. É como diz Iero Camará, antigo guerrilheiro e actual tenente-coronel do exército guineense : "Todos aqueles que combateram em Madina do Boé podem ser considerados heróis !"...
Também o coronel Aliú Camará, ex-comandante da unidade de artilharia que regularmente bombardeava o quartel do Boé, falando por si e pelos seus antigos camaradas, afirmou: "Nós rendemos homenagem aos ocupantes de Madina, porque era muito difícil viver naquelas circunstâncias. Sempre à espera dos bombardeamentos, em horas alternadas, às vezes à meia-noite, às vezes ao meio-dia, às vezes no período da tarde, tantas vezes que ninguém pode imaginar aquele sacrifício".
E estes bravos, à altura dos melhores da nossa história, ficaram ali para sempre, não mais voltaram à sua terra, nem ao menos para uma singela homenagem de despedida. Mas eles hão-de permanecer para sempre como exemplo de abnegação em favor da Pátria. Cabe-nos a nós fazer com que a História não os esqueça. O seu tão precioso testemunho escrito e outros (como o de José Pimenta) não o vão permitir.
O meu muito obrigado, José Martins. Tal como o amigo, eu estava lá por essa altura [1968], também sobre uma linha de fronteira, mas a Norte, em Guidage que, em 1973, também haveria de ser palco de momentos difíceis.
O meu obrigado mais uma vez. Haveremos de voltar ao contacto. Receba, caro José, um grande abraço.
Afonso Sousa (ex-Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412, Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70).
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