Uma das boas características do meu pessoal era a de que não gostavam de estar parados nos intervalos das operações. Cada um, nas suas profissões ou aptidões, ia bulindo e foi assim que se reconstruíram e melhoraram abrigos, se implantou uma horta que aproveitava a água, depois de decantada, dos chuveiros das praças e se construiu a obra mais emblemática que deixámos em Guileje: a Capela.
Guiné > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Aqui também se rezava, num espírito de ecumenismo e de tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos. Foto da capelinha (cristã) erguida pelas NT . © José Neto (2006)
Por sugestão do capelão, Padre João Batista Alves de Magalhães, que apenas pediu um coberto para oficiar a missa quando ia a Guileje, pois dava a volta a toda a área da responsabilidade do batalhão, os Furriéis Maurício (Transmissões) e Arclides Mateus (Atirador), ambos com conhecimentos de desenho de construção civil, planearam e dirigiram a construção do pequeno templo.
Vinte ou trinta anos depois muito se falou em ecumenismo e outras ideias do mesmo sentido, mas nas profundezas da Guiné isso já se praticava.
Guiné > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Interior da capela © José Neto (2006)
Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.
As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse.
Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo.
Guiné > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Cerimónia do fim do Ramadão. Um grupo de militares observa com curiosidade mas com respeito. © José Neto (2006)
Saliento o facto ocorrido durante a festa do fanado em que as meninas foram preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais (2).
Atraídos pela música, os militares metropolitanos acercaram-se do local onde decorria o ritual – as meninas postadas à volta do enorme almofariz enquanto as mulheres, com o pilão, moíam cereais cuja farinha se derramava sobre as cabeças das ainda crianças – e sem quaisquer constrangimentos dançaram e cantaram como se fossem parte da cerimónia.
Houve nesta festa uma excepção que me apraz referir: Eu fui o único fotógrafo autorizado a registar as cenas preliminares. Na palhota onde se procedeu à cirurgia nem pensar.
Guiné > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Preparativos para a fsta do fanado. O nosso sargenti foi o fotógrafo oficial, mas a fanateca não o deixou entrar na sala da cirurgia... © José Neto (2006)
Tal deferência nada tinha a ver com o meu cargo ou posição na companhia, mas sim porque quando o correio me trazia os slides revelados, eu montava o cenário e mostrava à população as suas caras e os seus lugares que provocavam grandes ovações e expressões de alegria dos visados. Era o que chamavam de cenima do nosso sargenti.
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Notas de L.G.
(1) Vd posts anteriores do Zé Neto, respeitantes às suas Memórias de Guileje:
23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(4): os azares dos sargentos
21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas
13 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha
10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)
(2) vd post de Luís Graça > 4 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina)
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