10 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCXLI: Ajudem-me a encontrar o tenente evacuado em 1973 do Corredor da Morte (Victor Barata)

Texto do Victor Barata, o mais recente membro da nossa tertúlia:

Pois bem, Luís Graça, tomei o gosto, não vos largo.

Chamo-me Victor Barata, fui Especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC (1) de Aviões e Instrumentos de Bordo.

Cumpri o meu serviço militar de 1969 a 1974, sendo o período de 1971/1973 cumprido na Província da Guiné, mais concretamente na linha da frente das DO27, fazendo todo o tipo de serviço desde a tão desejada entrega de correio, géneros alimentícios, etc., às tristes evacuações, algumas sabe Deus em que circunstâncias.

Percorri todos os locais onde este tipo de aeronave tinha poucas condições para se entregar a uns metros de terra avermelhada. Tive um acidente dentro de uma desta aeronaves, já em terra. Mas...existiu uma situação, há 35 anos, que me faz perder a fala de cada vez que a recordo... Vou tentar!

Julgo, se a memória não me atraiçoa, que em Fevereiro/Março de 1973, fui destacado para uma operação no Corredor da Morte (ainda não li nada com este nome no site!...). A carta cartográfica da Guiné designa por Guileje, onde participaram também os Fiats, os T6, os Helis.

Aterrá mos e, obviamente, que a expectativa era grande,não só por ser a primeira vez que ali estava como também pela alcunha com que o local foi baptizado [Corredor da Morte].

Estacionou-se o avião, abriu-se a porta e vejo a uma certa distância uma pessoa que de repente desapareceu. Não manifestando a minha desconfiança pelo facto, eis que nos aparece um Capitão do Exército, que se apresenta como o comandante da unidade, para nos dar as boas vindas e nos fazer uma visita guiada ao local.

Não perdendo o rumo ao local onde a tal figura desapareceu, lá fomos olhando para isto e para aquilo e eis que me é identificada a minha referência que não era mais nem menos que os abrigos subterrâneos onde dormia o pessoal!

Beliche, chão de terra batida e o tecto uma placa que, dizia o Capitão, era à prova de 120! Acredito solenemente nos traumas da Guerra, 24 meses, às vezes lerpava-se com mais uns meses, naquelas condições, debaixo de guerra constante?!...

Bom, chegou a hora de me ser destinado o aposento. Nada mais, nada menos, o quarto do Capitão Caldas, paraquedista, que estava no mato, não era subterrâneo mas sim em superfície, talvez 1,50 x 1,50, MUITO BOM!

O dia correu normalmente, até que fui jantar à messe de oficiais e depois jogar umas cartas até se fazer noite, pois a transição do dia para a noite, segundo diziam, era a hora do IN bater à porta.

Encontrei um Tenente do Exército cujo nome, infelizmente para mim, já não recordo, e que me aturou jogando comigo o que eu sabia e ensinando o que eu não sabia, somente para passar aquele mau período do dia.

Chegado às 23h00, como a noite já ia longa,resolvi pedir-lhe a sua anuência para me ausentar e fui-me deitar. Ainda não me tinha descalçado e já a festa estava a começar, pois os foguetes já estalavam no ar... Forte morteirada!

Nesta minha estada conheci figuras hoje públicas, recordo o actual Presidente da Guiné, Nino Vieira, desertor do nosso Exército, como prisioneiro (2).

Terminada a minha missão, regressei a Bissalanca.

Passados uns 2 meses, 6 horas da manhã, a sala de operações chama o alerta e sai o Dakota, avião bimotor, com trem de cauda, que traria sempre umas 20 macas, enquanto a DO 27 só podia trazer uma. A coisa era muito má, viemos a saber antes do regresso do Dakota... A expectativa para mim era total, porque tinha lá estado, até que se começa a ouvir o barulho dos motores, cada vez mais perto, a instabilidade, embora o tempo já nos tivesse reservado péssimas situações, não sabíamos o que ali vinha.

Eis o avião na placa (estacionamento), a porta é aberta, subo os poucos degraus da escada de acesso ao seu interior e coloco-me ao fundo, a meio,vendo cerca de 10 macas de cada lado com corpos envoltos em lençóis brancos! Clima de verdadeiro massacre,o silêncio era a voz que perdurava, os corpos começaram a ser retirados e eu arrisquei subir o corredor até à cabine.

Eis que num preciso momento ouço uma voz de grande sofrimento emitir o meu nome, não conseguia localizar a sua origem, volto a ouvir e ai, sim, era o tal Tenente que tanto me ajudou na minha estada no Corredor da Morte... E eu incapaz de lhe poder valer!

Acreditem, companheiros, que estou a redigir estas letras com muita emoção,e porque não dizê-lo, com algumas lágrimas à mistura! Hoje, a minha grande esperança reside no facto de que eu não o pude ajudar, mas Deus encarregou-se disso por mim...

Não consigo escrever mais, desculpem!

AJUDEM-ME A ENCONTRÁ-LO!!!

Victor Barata

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Notas de L.G.

(1) Melec: termo usado pelo pessoal da Força Aérea para designar a especialidade de manutenção electrónica...Vd. post de hoje > Guiné 63/74 - DCCXXXIX: Victor Barata, MELEC da FAP (1971/73)

(2) Deve haver aqui um mal-entendido por parte do nosso camarada: o 'Nino' Vieira, comandamte da frente sul, nunca foi nosso prisioneiro, pese embora as muitas operações de busca e caça e emboscadas que lhe foram montadas pela nossa tropa de elite, a começar pelo temível e mítico Marcelino da Mata.

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