12 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)



Guiné > Brá > 1966 > O Alf Mil Briote, à esquerda, ladeado de dois dos primeiros comandos africanos, o Jamanca e o Joaquim. Esta era a 1ª equipa do seu grupo de comandos. Em vésperas da Op Atraca. O Jamanca será mais tarde ofical da 1º Companhia de Comandos Africanos, participará na Op Mar Verde (invasão da Guiné-Conacri, em 22 de Novembro de 1970) e comandará, em 1973, a CCAÇ 21, da qual farão parte antigos graduados africanos da CCAÇ 12. A CCAÇ 12, provavelmente refrescada, foi colocada no Xime, de meados de 1973 até ao final da guerra, e dela fez parte o furriel miliciano António Duarte, membro da nossa tertúlia. A CCAÇ 21 ficou em Bambadinca como unidade de intervenção (LG)

Foto: © Virgínio Briote (2005)


Texto do nosso querido amigo José Carlos Mussá Biai (outrora, o nosso menino do Xime) (1):

Caro Luís:

Acabo de ler depoimentos muito impressionantes que me fizeram recuar a minha infância em Xime, que você e muitos outros tertulianos bem conhecem de outros tempos.

Aquilo que o António Duarte escreveu e que lhe foi transmitido por um estudante guineense no ISEG é pura verdade.

Eu (com os meus quase 11 anos) e muitos outros, em 1974, vimos os militares do PAIGC em dois camiões de fabrico russo, um deles completamente tapado de toldo. Passaram por Xime, de manhã, para Madina Cudjido (Colhido, como vocês dizem). Passados uns 30 minutos ouvimos muitos tiros. Só que por volta da hora do almoço ouvimos [dizer] que foram lá fuzilados 8 pessoas. E das pessoas que nós ouvimos que tinham sido fuzilados - não sei se corresponde a verdade ou não - um deles era o tal Abibo Jau (2) que esteve na CCAÇ 12 em Xime. A outra pessoa seria o Tenente Jamanca, da CCAÇ 21 que estava em Bambadinca.

Mas tudo isso não me espanta porque os meus irmãos e primos que cumpriram o serviço militar no exército português, em Farim e depois em Bissau e Bambanbadinca, também foram presos, mas felizmente não lhes aconteceu o pior.

Um abraço.

José Carlos Mussá Biai

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Nota de L.G.

(1) Vd posts anteriores do (ou relacionados com o) J.C. Mussá Biai:

10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2)

20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXII: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)

20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXI: Sete mortos civis no ataque ao Xime (Dezembro de 1973)(J.C. Mussa Biai)

(2) Soldado Arvorado 82 107 469 Abibo Jau, 1ª secção, 1º Grupo de Combate, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), Comandante: Alf Mil Op Especiais Francisco Magalhães Moreira...

O Abibo era o nosso bom gigante, um poço de energia... Era ele que transportava às costas os restos dos nossos mortos ou até os nossos feridos... Estou ainda vê-lo a levar um dos embrulhos macabros dos camaradas, tugas, da CART 2715 que foram massacrados na Op Abencerragem Candente. Quem sabe, talvez do malogrado Cunha, do meu amigo furriel Cunha... Vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)...

Mas o Abibo também era o nosso torcionário: o trabalho sujo era para ele... Nós fomos embora da Guiné, repressámos a casa e dormimos, hoje, tranquilos (?), em camas com lençóis lavados... É certo que, pelo menos no nosso tempo, travámos alguns dos impulsos de morte do Abibo... Mas, que sei eu ? Ele interrogava os nossos prisioneiros (o Malan Mané, o Jomel Nanquitande, o Festa Na Lona...), e a essas cenas eu poupei-me, nunca assisti... Eu e todos (ou quase todos) nós, os milicianos, os gajos decentes da CCAÇ 12 e das outras unidades estacionadas em Bambadinca...

Imagino o pó que os gajos do PAIGC lhe tinham... O Abibo há muito que apodrece em Madina Colhido. Mas não podemos ignorar ou escamotear que o Abibo foi uma criatuar nosso, uma peça da nossa máquina de repressão... Hoje ele teria ficado livre da tropa: sofria de epilepsia e de elefantíase... Tinha ataques frequentes. Era preciso meia dúzia de homens possantes para o segurar. Um dia vi o diagnóstico da doença dele numa ficha médica, no nosso posto clínico. O seu mau génio e o seu corpo de gigante foram postos ao serviço do exército português. Nunca houve um cabrão de um miliciano (médico, alferes, furriel...) ou de um oficial do quadro do exército (civilizado) do meu país (civilizado) que dissesse: este homem é um doente, não pode ser soldado!... Eu sabia que algo estava errado no comportamento, bipolar, do Abibo Jau... Simplesmente, também eu me calei... Todos nós gostávamos do lado bom do Abibo, do bom gigante do Abibo...

José Carlos, que raio de notícia é que me trazes!... E, no entanto, não era nada que eu não temesse... Mas fizeste bem: é assim, falando - mesmo com o coração apertado - que a gente, tu e nós, o teu povo, os guineenses, os fulas, os mandingas e os demais povos da Guiné, vamos fazendo as contas com passado que nos atormenta, a todos, de uma maneira ou de outra... É assim que vamos exorcizando os nossos fantasmas, libertando-nos dos diabos da floresta...

Abibo, paz à tua alma e que a tua morte não tenha sido totalmente inútil, para que os meninos do Xime e de Madina Colhido, livres, possam hoje contar outras estórias, dos bons gigantes da floresta, expulsos os diabos que um dia os atormentaram...

Vd post de 9 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga

(...) "O intérprete é o Abibo Jau, o bom gigante epiléptico com o seu metro e noventa e tal de altura e os seus mais de 100 quilos de peso. Não sei quem lhe descobriu o seu talento para torcionário. Pertence ao 1º Gr Comb, do Alferes Moreira. É visível o medo que o Abibo inspira ao Malan Mané. Um fula e um mandinga, frente a frente. Velhos ajustes de contas com a memória colectiva de cada grupo vêm provavelmente ao de cima.

"Fulas e mandingas já foram os donos destas terras. Cada um, no seu tempo. Teixeira Pinto vingou os aristocráticos mandingas, ao subjugar os fulas. Em contrapartida, deixou a estes os papéis subalternos, mais sujos, do aparelho de repressão administrativo-militar. Os pobres dos fulas tornam-se os maus da fita, aos olhos dos outros povos da Guiné. Aqui, pelo menos na zona leste, os mandingas e os balantas têm um ódio de estimação aos fulas. Um ódio que é recíproco. O poder sempre soube dividir (e aterrorizar) para reinar" (...).

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