05 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola

IV parte do testemunho do Paulo Raposo, de seu nome completo Paulo Enes Lage Raposo, que foi Alferes Miliciano de Infantaria, com a especialidade de Minas e Armadilhas, na CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 (Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70> Galomaro e Dulombi).


Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 14-15 (1).

BISSAU

Chegámos a Bissau nos primeiro dias de Agosto [de 1968]. Depois de uma noite mal dormida, e cheios de picadas de mosquito, lá fomos para os adidos em Brá.

Os dois Batalhões [BCAÇ 2851 e 2852]formaram na grande parada e o então Brigadeiro Spínola passou revista às tropas e fez a sua saudação.

Spínola tinha chegado há pouco tempo à Guiné e esta foi a primeira cerimónia deste género que realizou. Acabadas as cortesias, ouve-se o toque a Oficiais e vamos para um briefing. Reunimo-nos numa sala pequena. Nós, os chegados, fomo-nos sentando em várias filas de cadeiras. À nossa frente estava uma pequena mesa aonde se sentou ao centro o Brig Spínola, Governador e Comandante Chefe da Província, à sua direita o Brig Nascimento, 2º Comandante Militar, e à sua esquerda, o Comandante Militar Brig Novais Gonçalves, que já estava no fim da sua Comissão.

Não me recordo do teor do discurso proferido por Spínola, mas deve ter sido no sentido de apelar ao nosso patriotismo e responsabilidade na condução dos homens que tínhamos à nossa guarda.

Após o discurso veio cumprimentar-nos, um a um. Quando chegou a minha vez, eu estava altamente perfilado, pois nunca tinha cumprimentado alguém com tantas estrelas nos ombros. Duas eram de Brigadeiro e as outras quatro de Comandante Chefe, em ambos os ombros.

Ele põe-se em frente de mim, cumprimenta-me e eu também e, à queima-roupa diz-me:
- Você tem sorte.
Eu, sem saber bem o que me esperava, digo muito timidamente:
- Porquê, meu Comandante?
- Porque quando começar a ouvir os tiros, já está mais perto do chão.

Também tinha humor. A meu lado estava o Alferes Felício, que é uma viga, e que a meu lado ainda parece maior. O nosso Comandante Chefe diz-lhe o inverso:
- Você que se cuide.

Realmente, aquele homem com a sua voz rouca e arrastada, de luvas, com monóculo e o pingalim, impressionava qualquer um. A imagem de bravura que transmitia correspondia à sua maneira de ser. Nele tudo era verdadeiro e genuíno.

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Nota de L.G.

(1) Vd post anteriores

12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (2): Aspirante em Elvas, Tancos e Abrantes

19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (3): De Santa Margarida ao Uíge

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