07 dezembro 2005

Guiné 63/74 - CCCXLIV: Manjacos, balantas, fulas, papéis, felupes... manga de bom pessoal (L.G.)

Queridos amigos & camaradas:


Aí vão mais uns nacos de prosa para se entreterem no feriado… O Sousa de Castro mandou-me uma peça (deliciosa), retirado de uma brochura do exército colonial, de 1971, com laivos de “cultura antropológica” sobre os povos da Guiné… Seria interessante fazer uma análise crítica desses estereótipos, ideias feitas ou preconceitos que nos inculcaram sobre as diferentes etnias que habitavam o território, uns de sinal positivo, outros de sinal negativo: por exemplo, falava-se do balanta como valente e ladrão; do felupe como caçador de cabeças; do fula como leal e preguiçoso

Enfim, muitos desses estereótipos ainda estão nas nossas cabeças, infelizmente… E ás vezes, subrepticiamente, aparecem no nosso discurso…

Muitos de nós (Carlos Fortunato, A. Marques Lopes, eu, o Humberto, o Levezinho, o Monteiro, etc.) estivemos em companhias que pertenciam à "nova força africana", no tempo do Spínola (caso da CCAÇ 3, CCAÇ 11, CCAÇ 12, CCAÇ 13…). Ou, muito antes, em 1964/66, tivemos camaradas quer da Metrópole quer da Guiné, voluntários, nos nossos grupos de tropa especial, como foi o caso dos primeiros comandos (caso do VB, do Mário Dias, do Parreira, etc.).

Algumas das nossas unidades eram "etnicamente homogéneas" (como, por exemplo, CCAÇ 12) e isso não acontecia por acaso… Tratava-se de dividir para reinar e sobretudo de criar um sentimento forte de pertença ao "chão": os fulas combatiam em casa, na defesa do "chão fula" (actuais regiões de Bafatá e do Gabu)…

Pessoalmente sou contra o label, a catalogação das pessoas em função de uma particularidade: a cor dos olhos, do cabelo ou da pele; mas também da etnia (já não digo raças, por que esse conceito é anticientífico, não há raças humanas…). A pertença a um dado grupo étnico é, todavia, importante, por causa das questões da cultura, da saudável e riquíssima diversidade cultural do Homo Sapiens Sapiens

Mas às vezes é perigoso insistir em (ou até evocar) essas diferenças… O colonialismo utilizou o conhecimento antropológico ou etnológico para esse fim, para dividir, dominar e reinar… Temos, por isso, de ser cautelosos na leitura e análise de textos de antologia como aquele que foi publicado ontem, e que me foi enviado pelo Sousa de Castro…

Dito isto, nada nos impede de expor as nossas ideias e sobretudo relatar a nossa experiência de convivência e até de amizade com balantas, manjacos, fulas ou felupes… Há algum risco de ferir as susceptibilidades dos nossos amigos de ontem e de hoje… Mas, por favor, não façamos generalizações abusivas…

A Guiné-Bissau, tal como muitos outros países africanos, é ainda hoje vítima do "demónio étnico", como muito bem denunciava há dias o nosso amigo Pepito (aliás, Carlso Schwarz)…

Um abraço multicultural a todos vós. Bom feriado, para os tugas

Sem comentários: