1. Texto do nosso amigo e camarada José Neto (2º sargento da CART 1613, Guileje, 1967/68; hoje capitão reformado):
Meu caro amigo Luis Graça:
Acabo de ler o arrazoado sobre Manjacos, Felupes e por aí fora. E chamo-lhe arrazoado pelo seguinte:
Muito cedo, aos 21 anos, fui para Macau como Soldado de Artilharia. Naquela cidade maravilhosa adquiri instrução e aprendi a conviver com pessoas que tinham da vida uma visão diferente da que me fora ensinada. Note que, ao tempo, da guarnição faziam parte dois Batalhões de Moçambicanos, que entre si se denominavam por Landins e Macuas. Dizia-se que eram rivais em África, mas ali eram militares e apenas disputavam o aprumo com que serviam o Exército Português.
Vim de Macau (empurrado pelos Decretos) dez anos depois, com o posto de 2º sargento, casado com a filha dum camarada (metropolitano), uma filha com 17 meses e uma riqueza interior que, modéstia à parte, não encontrei na generalidade dos meus camaradas de cá.
Quatro meses depois (1962) avancei (...em força) para Cabinda e lá encontrei os Cabindas e os Mossorongos. Diferentes... iguais, isso nunca me incomodou.
Em fins de 1966 calhou-me a Guiné.
Em 1970 aí vai o seu amigo para Angola, já 1º sargento e aprovado para ir ao Curso de Oficiais em Águeda (ECS). Em Calunda, que fica naquele pequeno rectângulo que o mapa de Angola tem à direita, encontrei de tudo. Numa tribo mandavam os homens, noutra as mulheres, uns eram indolentes, outros diligentes, enfim a África era assim. E agora apetece-me perguntar: E a Europa é diferente?
Voltemos à Guiné.
Ali só privei com Fulas, de Buba, Colibuia, Cumbijã e Guilege (Guiledje). Islamisados, inteligentes, sobrevivendo com muito engenho e, principalmente, de sorriso aberto e franco.
Tive o privilégio de, com o meu Capítão (Eurico de Deus Corvacho), ser recebido, em Aldeia Formosa, pelo senhor Cherno Rachide, o chefe espiritual daquela zona que se estendia para além da fonteira (1).
Fiquei impressionadíssimo com o porte e as palavras sábias que nos dispensou. Na despedida apenas nos disse (em francês!!!): "Procurem não maltratar o meu povo".
Em Guilege fui amigo (repito: "amigo") do Régulo porque tinhamos um traço comum: Ele também esteve em Macau, fazendo parte (como soldado) duma companhia guineeense para ali destacada no fim da II Guerra Mundial. Era um chefe inteligente e de poucas palavras.
E também tive em Guilege uma "caldeirada" chamada Pelotão de Caçadores Nativos nº 51. Era comandado por um Alferes Miliciano (Perneco) e os furriéis e cabos eram metropolitanos. Eram cerca de trinta soldados de várias etnias (cá estão as malfadadas etnias) e criavam-nos mais problemas que os duzentos e tal transmontanos, minhotos, beirões e algarvios. Esquecia-me que também tínhamos três alentejanos.
Aquele Pelotão era uma pequena amostra do que é hoje a República da Guiné Bissau.
E por fim a minha opinião: É hora de ajudarmos os guineenses a alhearem-se das suas divisões ditas culturais e prosseguir o seu destino com as PESSOAS que constituem o seu povo. Isto de "respeitem os meus, os outros são uns malandros" não leva a lado nenhum.
Nós já há muito que esquecemos os Celtas, Vândalos, Suevos, Iberos e outros que tais que povoaram este cantinho da Europa, onde continuamos a fazer força para "entrar".
Cumprimentos do
Zé Neto.
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Nota de L.G.
(1) Vd. post de 16 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo)
(2) Que dizer deste comentário de um homem vivido e sábio como o Zé Neto ? Apenas reforçar a sua sugestão: o que importa são as pessoas... E é com cada um dos guineenses, com a sua individualidade como pessoa, que a Guiné-Bissau vai construindo o seu futuro e ainda vai ser um grande país... Aqui fazemos força por isso. L.G.
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