blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!
24 junho 2005
Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida
Excertos do Diário de um Tuga. L.G.
Campo Militar de Santa Margarida. 24 de Maio de 1969.
Soldado contra a minha própria guerra, parafraseando o Manuel Alegre, a escassos horas de embarcar no Niassa, revejo-me mal no filme de despedida da nossa companhia (menos de meia-companhia, aliás), enquadrada nas restantes forças expedicionárias destinadas ao CTI da Guiné, perfiladas no átrio da capela – ah!, sempre juntos,Deus e a Pátria, a cruz e a espada, ! – do Campo Militar de Santa Margarida.
Cerimónia de opereta que meteu missa campal, benção e entrega de guiões e a que não faltou a fanfarra do Regimento de Abrantes e o discurso de despedida do comandante, que a pompa e as circunstâncias exigiam.
De dentes cerrados e a morte na alma, escutei a lenga-lenga patrioteira do coronel, comandante do CMSM:
“Oficiais, sargentos e praças! Ides em breve partir para a nossa querida província ultramarina da Guiné aonde vos chama o sagrado dever de todo o soldado português – a defesa da Pátria!
“Das dificuldades da vossa missão ninguém tem dúvidas, mas a Nação tem boas razões para confiar em vós. Para além da instrução, intensa e prolongada, a que vós, militares, fostes submetidos desde o primeiro dia nas fileiras do Exército, existem no vosso sangue jovem todas aquelas virtudes ancestrais, recebidas dos vossos pais e avós, que tornaram grandes e inolvidáveis os momentos mais dolorosos e difíceis por que a Pátria passou nos oito séculos da sua existência!...
“A vossa geração, bravos soldados de Portugal, escreve hoje em terras de África páginas das mais gloriosas da nossa gloriosa História! (…)
“O voto que vos deixo, a todos vós, oficiais, sargentos e praças, é que em terras da portuguesíssima Guiné, saibais continuar a gesta lusíada e merecer a confiança que a Nação em vós deposita. E que na alegria do regresso possais gritar bem alto àqueles que no cais vos aguardam: Missão cumprida!”
- Simplesmente pornográfico! Os cabrões podiam mandar-nos para o matadouro e poupar-nos, ao menos, a esta diarreia mental! – comentei eu, entre dentes, recusando, enojado, mas com alguma elegância, o aperto de mão da seráfica e assexuada representante do Movimento Nacional Feminino que, no final, distribuía medalhas de Fátima, tabaco, aerogramas e sorrisos de vaca leiteira.
Esta música eu já a sabia de cor e salteado das Caldas e de Tavira. Recordo-me de um dos meus comandantes de companhia que também tinha muito blá-blá:
- Rapazes, vocês são a fina flor da Nação, o espelho da Pátria! – dizia-nos ele muitas vezes na formatura. E depois tratava-nos abaixo de cão ou autorizava o cão de fila do seu alferes a humilhar-nos e a pôr-nos a rebolar na merda, no campo da feira de Tavira, debaixo da janela da sua amada...
Gabava-se de ser um dos heróis de Nambuangongo e de ter tantos louvores como porradas, razão por que ainda não tinha passado de tenente. Para alguns de nós, e a crer no jornal da caserna, ele não passava de um reles e triste assassino que no Norte de Angola, em 1961/62, andava sempre com cabeças frescas de preto espetadas no capô do jipe.
Post-scriptum -
1. À distância de 36 anos, não quero ferir susceptibilidades nem muitos menos menosprezar os sentimentos patrióticos, actuais ou passados, dos meus ex-camaradas de Guiné, de todos, em geral, e de cada um, em particular. Também não confundo o Exército do Portugal democrático de hoje com o Exército do Portugal colonial-fascista de 1969 (não gosto da adjectivação, mas era assim que os gajos do MRPP e outros comunas nos tratavam: afinal, o Exército Portugês eramos nós...).
Se fui (re)buscar os meus papéis dessa época, foi sobretudo para documentar ou ilustrar o estado de espírito de alguns de nós, que estavam longe de serem representativos dos jovens da sua geração. Mal ou bem, eu considerava-me, na época, um soldado contra a minha guerra... Todavia, não fui refractário nem desertor...
Por outro lado, todos sabemos como os filhos da elite político-militar da época arranjavam maneira de não ir parar a Geba, ao Xime, ao Xitole, a Barro ou a Guileje... Em muitos casos até da tropa se livraram. Na pior das hipóteses fizeram a guerra do ar condicionado (em Bissau, em Luanda, em Lourenço Marques)...
2. Foi no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM) que conheci os meus futuros camaradas e amigos da CCAÇ 12 (caso do Humberto Reis e do António Levezinho, que fazem parte da nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné; já agora o boneco da capa da História da CCAÇ 12, que publico em cima, é da autoria do Tony Levezinho; é uma pequena homenagem que lhe faço, esperando poder abraçá-lo em breve, lá para os lados da ponta de Sagres onde ele agora vive).
O CMSM, situado no concelho de Constança, era já, nessa época, uma verdadeira cidade, com milhares de hectares, e centenas de infra-estruturas... Nunca mais lá voltei.
Hoje ao visitar o seu sítio na Internet, vejo com agrado que o CMSM tem preocupações ambientais e tem inclusive uma certificação ambiental. Os meus parabéns ao Exército Português. Aqui fica um destaque sobre este assunto:
"O Sistema de Gestão Ambiental do Campo Militar de Santa Margarida é a partir de agora, Certificado pela Associação Portuguesa de Certificação (APCER), como instituição Certificada segundo as Normas NP EN ISO 14001:1999.
"Esta certificação é sinónimo de uma preocupação louvável no sentido da preservação dos 6.400 hectares do CMSM, onde se inclui uma magnífica mancha florestal e onde se abrigam importantes espécies da fauna cinegética que têm convivido pacificamente com as actividades inerentes ao campo, desde a sua fundação, há precisamente 52 anos.
"O sistema de gestão do ambiente que o CMSM publicamente assume, permite-lhe estabelecer uma política adequada à sua própria realidade, adoptando soluções que visam a redução de custos e de riscos inerentes ao seu funcionamento, evidenciando à sociedade uma melhor imagem da instituição militar, bem como constituindo uma referência de exemplo e incentivo para as restantes unidades do Exército.
6/23/2004".
Fonte: Portal do Exército Português > Campo Militar de Santa Margarida (CMSM)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário