21 junho 2005

Socio(b)logia - XVI: Ser português: crise (d)e identidade

Ciclicamente, os povos e as nações passam por crises de identidade. Portugal que é um dos Estados mais antigos da Europa e do mundo, não foge à regra.

Hoje estamos a passar por uma grave crise de identidade, em grande parte devido às profundas transformações que sofreu o Estado e a sociedade portugueses nos últimos trinta anos, mas também devido ao contexto (integração europeia, desenvolvimento das novas tecnologias da informação e do conhecimento, globalização da economia…).

Tal como outros povos, temos tido as nossas crises identitárias, mais acentuadamente nos últimos dois séculos: 1890, na sequência do ultimato inglês; 1910, a ruptura revolucionária com a monarquia; 1974, o fim do império e do “orgulhosamente sós”…

Recuando no tempo, poderíamos ainda apontar outras datas-chaves na formação da nossa tomada de consciência como povo: a crise dinástica de 1393-1395, a proclamação de D. João I, o apoio d”arraia miúda” da cidade de Lisboa à sua causa, a vitória sobre os castelhanos em Aljubarrota; a grande aventura dos descobrimentos, a época de ouro com D. João II, D. Manuel I e D. João III, mas também o desastre de Alcácer Quibir, o sebastianismo, o fim da dinastia de Avis em 1580, o domínio dos Filipes, a restauração em 1640…


Reforço da portugalidade


Em rigor a construção do moderno Estado português é muito mais recente, e a ele estão associados nomes de políticos e de intelectuais estrangeirados, como o Marquês de Pombal… As próprias invasões napoleónicas em 1807, a fuga da corte para o Brasil, a influência inglesa, a revolução liberal de 1820, a perda do Brasil, a guerra civil que só termina com o tratado de Évora Monte em 1834, todos estes acontecimentos marcaram profundamente a primeira metade do nosso Século XIX, que é o século por excelências das estados-nações e do nacionalismo não só na Europa como no Novo Mundo. Esses acontecimentos contribuíram para o reforço da nossa portugalidade. Mas, atenção, que nessa época não havia os poderosos meios de comunicação e de socialização que há hoje, tal como a televisão e a Internet…

As crises (políticas, sociais, económicas…) são também tempos de oportunidade: por exemplo, naqueles três momentos da nossa história (1890, 1910, 1974) houve uma mobilização popular que veio reforçar a nossa consciência colectiva enquanto povo. Recorde-se que o nosso actual hino data de 1890 e a bandeira das quinas, verde e rubra, não chega a ter cem anos…


Ser português hoje


Não me parece que hoje em dia seja devidamente valorizado o ensino e a divulgação da nossa história. Há um paradoxo: nunca como hoje se publicou tanta história, ou tantos livros de história… Recordo, por exemplo, o papel importante que tem tido o Círculo de Leitores (que acaba de lançar uma notável colecção com as biografias dos nossos reis, desde D. Afonso Henriques, o fundador do reinado, até D. Manuel II, o último dos nossos monarcas).

A nossa identidade é também indissociável da língua: nunca como agora se publicaram tantas obras em língua portuguesa. O português é, além disso, um recurso estratégico com enormes potencialidades, culturais e económicas, sendo decisivo para o nosso futuro, para o futuro dos nossos filhos e dos povos que falam a nossa língua. A língua é hoje um importantíssimo elo de ligação de povos que se cruzaram connosco ao longo da história.

Portugal tem razões para ter orgulho de si próprio. A escola e as famílias têm que interiorizar melhor os valores e os símbolos da nossa portugalidade. Esses valores e símbolos não podem ser estáticos. Daí não ser fácil definir o que é ser hoje português. Mas não tenho dúvidas de que os portugueses, mais uma vez, vão saber dar uma resposta cabal às muitas perplexidades e dúvidas que se colocam em relação ao seu presente e ao seu futuro. Tirar partido das lições do passado é já, por si, um sinal da sabedoria dos povos e um primeiro passo para encontrar soluções criativas e inovadoras para os novos desafios do Século XXI.

Texto de Luís Graça. Uma versão ligeiramente diferente foi publicada na revista Plenitude. (Lisboa) . 27 (Junho de 2005). 62-63.

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