1. Fiquei com curiosidade em saber o resto da estória contada pelo Virgínio Briote sobre a Ana, enfermeira do Morés. Mandei-lhe um e-mail:
"Virgínio: Já publiquei a tua estória que voltei a adorar. Parabéns!... Fico com curiosidade em saber o que fizeram, naquele tempo, ao comandante que vocês apanharam com as calças na mão (literalmente!) e com a enfermeira que deveria ser uma mulher corajosa, uma verdadeira mulherd e armas (...). Um abraço".
Publico aqui a pronta resposta que ele, V.B., teve a amabilidade de me dar. Aqui fica a resposta, sem mais comentários ou, se o os tertulianos assim o quiserem, com um desafio para sabermos mais sobre o papel das mulheres que, de um lado e de outro, também participaram na guerra, de maneiras diferentes (como confidentes, madrinhas, amantes, enfermeiras, professoras, combatentes, etc.):
2. Texto do Virgínio Briote:
O Comandante teve que ser interrogado logo ali, sem as cerimónias que o cargo dele exigia. Uma vez que as informações que passou eram claramente sem importância, não houve possibilidade de proceder a qualquer exploração. De resto uns tipos, poucos, talvez três ou quatro, estavam a fazer-nos pontaria e a Siga, verdadeiro nome da Ana, resistiu quanto pôde, como só as mulheres o sabem fazer, quando querem.
No chão, mamilo na boca da bebé, era muito difícil, a qualquer um de nós gerir a situação. Por um lado, o respeito que a imagem nos merecia, por outro a consciência de que a Siga estava a fazer o que podia para que os [seus] camaradas tivessem tempo para nos preparar uma retirada como devia ser. E ela veio, à força, dois soldados a arrastá-la pelo chão, a bebé no colo de outro soldado, as chicotadas a ouvirem-se, os gritos dela e doutras bajudas, um pandemónio.
Depois, já na estrada, recolhidos pela companhia de apoio, a Siga e o comandante foram na minha viatura. Ela ficou muito ofendida comigo, pela forma como foi tratada, sem humanidade, disse-me na cara. E que, quando chegasse a Mansoa, iria apresentar queixa contra mim. O que fez, vim eu a saber uns tempos mais tarde pela boca do major das operações do batalhão de Mansoa.
O que foi deito deles? Gostaria de saber, mas não soube mais nada. Os procedimentos que seguíamos, no caso de prisioneiros, era entregá-los à chefia do Batalhão. Nunca vim a saber o que foi ou é feito deles.
Que merda!
Um abraço,
vb
PS - Luís, já depois de termos falado ao telefone [,hoje, da parte da tarde], contactei um velho camarada de armas que, muito jovem, acompanhou os pais na viagem rumo à Guiné, onde tinham vida estabelecida. Estudou em Bissau, foi colega de muitos jovens que mais tarde se envolveram na luta pela libertação. Um deles, o Domingos Ramos, foi mesmo incorporado no 1º CSM que se fez na Guiné. Ora o Domingos era irmão do Pedro. Diz-me o velho camarada que eles eram negros "assimilados", talvez da etnia papel.
A Fima Siga era uma das enfermeiras (auxiliares, penso eu) de Morés. Na altura encontrámos uma caixa com os medicamentos que eles estavam a utilizar e as informações que me foram transmitidas no trajecto do regresso levaram-me a crer que ela respondia pela enfermaria. O Comandante tratava-a com alguma reverência, apercebi-me disso.
Já depois de ter lido a nota que te enviei sobre o que tinha sido feito deles, notei que escrevi que se ouviam "chicotadas, bajudas aos gritos", etc... Ora bem, as chicotadas que se ouviam eram chicotadas de projécteis. E foram só essas que eu ouvi.
Gostei de te ouvir.
Fonte: © Virgínio Briote (2005)
3. Transcrição da carta (ou bilhete, entregue por mão própria) de Pedro Ramos, quadro do PAIGC, dirigida a Siga, sua amiga, namorada, noiva ou simples camarada de partido (A Ana, enfermeira do Morés, na estória do Virgínio Briote). Não tem indicação de data, mas deve ser de Maio de 1966, a avaliar pelo seu conteúdo:
"Quirida Siga:
"Junto a este bilhete desejo-te uma optima saude e a Odete. Eu por cá saudades sua[s].
"No que se trata [a]o meu regresso até agora não poço esplicar ninguém [não posso explicar a ninguém] se vou regressar em breve, porque o camarada Osvaldo (1) não disse nada na [sobre a] minha vinda, mas parecia-me que regressava logo que acabar.
"Recebi os medicamentos e a pasta. Não te enviei arroz agora porque estamos ali com faltas de camaradas devido aqueles que mandamos para Morés no dia 20/4/66 para levarem os postos de Radio.
"Espero vires passar aqui uns dias conforme carta de Nha Maria, isto é se não te dá sarilho mais tarde no teu serviço. A respeito ainda da vinda do teu pai que me encontra ausente, só te digo uma coisa. Sinto muito pena a [de] não podermos conhecer-se e falarmos principalmente a teu respeito. Cumprimentos a todos, Pedro Ramos".
_________
(1) Presumo que se trate do histórico dirigente do PAIGC, o Osvaldo Vieira, um dos heróis da luta de libertação. O Aeroporto Internacional de Bissau ostenta o seu nome. L.G.
4. Comentário de L.G. :
Virgínio: Esta peça vale ouro...Presumo que tenhas encontrado o bilhete na posse da Siga... O bilhete deve ter sido escrito em maio de 1966, por um tal Pedro Ramos, que tinha na época uma missão importante na guerrilha e que estava sob as ordens do histórico e poderoso Osvaldo Vieira... Confirmas ?
Sabes mais alguma coisa desse Pedro Ramos, que devia ser um jovem de Bissau, escolarizado, de etnia papel (ou seria caboverdiano, pela utilização do "nha", em Nha Maria ?)... Tento descobrir a relação que ele tinha com a Siga: deveria ser noiva, na época (a avaliar pela referência ao pai dela)... Mas tu e o teu grupo apanharam-na já com uma filha de colo...
Em meados de 1966, estavas tu em Mansoa. Ela era efectivamenhte uma enfermeira do PAIGC, ou apenas um "elemento suspeito" da população do Morés ? Pelo comportamento dela, que tu descreves, deveria ser alguém muito determinado e com envolvimento político... Tens mais estórias destas, envolvendo mulheres na guerrilha ? Um abraço. Luís Graça.
5. Novo esclarecimento do V.B.:
Mais um dado ou pista fornecido pelo meu velho camarada de armas que viveu a adolescência em Bissau:
"Caro Briote: Acabo de ler as suas intervenções no blogueforanada que achei excelentes.
Ainda bem que, lentamente, se vai fazendo luz sobre o que verdadeiramente se passou por terras de África durante a chamada Guerra Colonial. Continue.
"Veio-me à memória, toldada por uma compreensível neblina (já lá vão mais de 40 anos), que o Pedro Ramos foi funcionário do porto de Bissau ou da Alfândega. Não sei se teria ou não fugido para o mato para o PAIGC mas pelo relato da carta parece que sim" (...).
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