01 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968

Guiné > Empada > 1969> 1º Cabo Enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)

© José Teixeira (2005)



Texto de José Texeira (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)


O meu diário (continuação)


Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968

Comecei a Guerra. Saí de Buba dia vinte e quatro, às seis da manhã, e cheguei a Aldeia Formosa dia vinte e cinco, às vinte e uma, depois de durante dois dias batalhar com o IN, com o tempo e ultrapassar outras dificuldades.

A estrada (picada) está num estado lastimoso: buracos de minas, pontes destruídas e outros obstáculos que a muito custo se venceram. Os primeiros sete quilómetros foram percorridos em oito horas e meia.

O primeiro ataque foi de abelhas. Eram tantas que mais pareciam uma pequena nuvem e era ver quem mais corria a fugir da sua picada. Eu fiquei quedo como um penedo sentado na berma, entre os arbustos, a conselho de um africano que estava a meu lado e não sofri uma picada. Assustado e perturbado pelo zumbido à minha volta e pela côr que o meu corpo foi tomando na medida em que se fixavam à minha roupa, na cara e na cabeça. Neste estado pude apreciar a confusão de uma fuga precipitada, um tanto hilariante. Se o IN tivesse atacado nesse momento era um desastre total, tal foi a desorganização gerada.

Depois... veio aquela mina roubar mais uma vida e pôr duas em perigo... Inimigo cobarde !... Frente a frente não consegue atingir os seus objectivos e ataca à traição, num pequeno descuido dos picadores.

Que culpa terá aquele jovem que me morreu nas mãos, que os homens não se amem ? Que culpa tenho eu ?

A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...

Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer.

Esperávamos que o IN atacasse de noite pois tinha sido detectado pela aviação durante o dia. Felizmente durante a noite não houve surpresas e eu, entregue totalmente ao ferido que sobrou para mim, o condutor da viatura sinistrada, um pouco mais conformado recomecei, melhor recomeçámos a marcha com toda a cautela, pois no dia anterior, além da mina que rebentou, foram localizadas mais três.

Para alimentação deste dia não tínhamos nada. A ração de combate mal chegou para o primeiro dia. À frente havia IN, "manga dele", havia buracos, pontes interrompidas. Havia minas, só não havia comida.

Ainda não tínhamos percorrido três quilómetros, quando caímos na primeira emboscada. Dois bigrupos esperavam-nos. Felizmente a Milícia que protegia os flancos, descobriu-os e, sem compaixão, todas as máquinas de guerra funcionaram. O meio e a rectaguarda da coluna embrenhados no mato aguardavam prontos a intervir o que não foi necessário. Quinhentos metros à frente é a vez da rectaguarda ser flagelada e obrigar o soldado português a mostrar as suas capacidades de luta. Deste segundo encontro há registar dois feridos.

A coluna recompôs-se e continuou a sua marcha de 30 viaturas carregadas de mantimentos e armamento (três obuses 14, entre outro material). A meio da manhã chegaram os Fiat. Com a aviação sentimo-nos mais seguros e confiantes. Os feridos foram evacuados de héli. Uma coluna que normalmente se faz em oito horas, demorou dois dias.

Agora que sinto o barulho do matraquerar das armas, que sinto o silibar das balas assassinas sobre a minha cabeça, começo a sentir um tremendo ódio a tudo o que seja guerra. Sim. Odeio os homens que, em vez de se amarem, se guerreiam. Que culpa tenho eu que os homens não vivam o amor ?

Quando abriu a emboscada escondi-me debaixo de uma viatura e senti bem perto as balas a assobiarem, pois um IN estava em cima de uma palmeira à minha frente, a fazer fogo. Ainda tentei usar a arma que tinha comigo, mas esta encravou à primeira tentativa e ainda bem. Fui apenas um espectador

Que eu jamais faça guerra... Que eu ame sempre.

Hoje, 26, recebi uma carta, a que tanto precisava para acordar o meu espírito.

Aldeia Formosa, o meu novo poiso, também foi atacada ao anoitecer . O IN teve fraca pontaria e não meteu uma dentro do quartel. A mesma sorte não foi para Gandembel há cerca de quinze dias: quando atacaram aquele destacamento com 11 canhões s/recuo, mataram um alferes e feriram vários militares.

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