10 abril 2006

Guiné 63/74 - DCXCI: Tu Português de Portugal, eu Português de Guiné (Zé Teixeira)

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > O Zé deixou amigos que ele reencontrou trinta e cinco anos depois... Como, por exemplo, a viúva Régulo Sambel, de Contabane, e a mulher do seu filho (aqui na foto). Foi uma viagem de saudade que não deu, este ano, para repetir, como ele pretendia.

© José Teixeira (2006),


O Zé Teixeira foi ao baú da memória buscar mais um texto que nos manda, para o blogue... É um sentida e belíssima evocação da sua viagem à Guiné, em 2005, escrita, para matar saudades, enquanto vai seguindo a par e passo, pelo mapa, a viagem de 2006 dos nossos camaradas e amigos do Norte...


VOLTAR À GUINÉ É RE-VIVER UM PASSADO NO PRESENTE

Como já sabem, tive recentemente o privilégio de, após 35 anos de separação, voltar à Guiné e reencontrar velhos amigos, companheiros de aventuras de guerra e sofrimento. Reconhecemo-nos. Chamaram os outros amigos comuns de outrora, apresentaram-me as mulheres, os filhos, os netos, os amigos (alguns combatentes da outra banda) e confraternizámos.

Recordámos tantos momentos juntos. Recordámos pessoas que já partiram. Perguntaram por companheiros (ainda sabiam os nomes) que nunca mais viram. As lágrimas saltaram teimosamente enquanto o coração rejubilava por um momento tão grandioso.

Para ilustrar o que afirmo vou tentar descrever o diálogo com a Dadá, que localizei em Sinchã Sambel (Saltinho). Ouço uma voz atrás de mim:
- Tissera, tu lembra Aliu de Mampatá ?

Olho e reparo numa mulher linda dos seus sessenta, bem vestida de sorriso rasgado.
Não a reconheci como sendo a lindíssima Dadá, que conheci em Mampatá em 1968.
- Sim lembro: Aliu Baldé, Chefe de Tabanca e Alferes de Mílicia. Sei que já morreu há muito tempo (1).
- Tu lembra Hamadú, milícia de Mampatá, filho do Régulo Sambel de Contabane ? - Conheci vários Hamadú.
- Minha marido e chefe de Tabanca de Sinchã Sambel.
-Tu Lembra da Filha de Aliu, a Dadá ?
- És tu ?
- Sim. Eu mesmo. (Colámo-nos num longo e fraternal abraço, deixámos que o coração falasse)
- Minha filha, meus neto, tudo gente de mim !

A alegria e o orgulho em me apresentar a família. De seguida foi vestir o mais bonito vestido, “pra tira foto cum Tissera”.

Correu a chamar a sogra, ainda viva, mulher do Régulo Sambel de Contabane (1). Esta velhinha de cabelos brancos abraçou-se a mim a soluçar e só sabia dizer:
- Branco e na volta ! branco e na volta ! - Por mais que lhe dissesse que agora só lá íamos para ver amigos e matar saudades, ela insistia:
- Branco e na volta !

O tempo livre que tive, passei-o na Tabanca a conviver. Sentia-me em casa. Toda a gente me chamava para papea um pouco. Alguns antigos milícias em Mampatá e em Aldeia Formosa, agora, a viver nesta Tabanca, vieram ter comigo, apresentavam-me a família. Falavam-me de outros cujos rostos já se tinham esvanecido da minha memória. Relembravam aventuras comuns. Queriam ficar no postal (fotografia) para eu trazer, de recordação.

A marcha do tempo não perdoa, bem pelo contrário. Desta vez, contrariamente aos anos de guerra, foi rápida de mais. Tive de regressar. A partida foi dolorosa. Quando me fui despedir, soube que no dia seguinte (o da minha partida) vinham pessoas de Mampatá para estar comigo. Tive pena e prometi a mim mesmo lá voltar.

Regressei à Guiné para recordar. Rever amigos e espantar fantasmas. À partida pensava que arrumava a Guiné do meu pensamento. Agora, a Guiné está-me no coração. É a minha segunda pátria, tal como ouvi por lá:
- Tu Português de Portugal. Eu Português de Guiné.

Zé Teixeira (1)
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(1) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

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