Textos do Carlos Marques dos Santos:
1. Luís:
Estou com o Jorge Cabral (1) na apreciação que faz da guerra. A guerra não foi igual para todos.
Fico, às vezes, espantado com a fluência de histórias que aparecem contadas e, muito mais, vividas. Eu que estive sempre, mas sempre, entre quatro arames farpados, que estórias tenho para contar!? Nenhumas.
Nada, rigorosamente nada, a não ser, o ter comido mancarra verde para matar a fome de três dias, mandioca apanhada da terra, água dos charcos das picadas, feijão frade durante um mês, a ração de combate deitada fora porque era doce e salgada ao mesmo tempo.
Sede. O banho, aproveitando a água das chuvas. Ou, então, sem água durante um mês em destacamentos isolados. 5 ou 10 litros de água bebida em sofreguidão quando chegava ao aquartelamento.
Nota: O Pel Caç Nat 63, de Fá Mandinga (nossa primeira sede), esteve em várias operações connosco, CART 2339, nomeadamente as Cabeça Rapadas, Pato Rufia, Lança Afiada.
CMS
2. Luís:
Ninguém te deixa um segundo de descanso. Envio um esclarecimento e ao mesmo tempo algumas dúvidas em relação a anteriores entradas no blogue.
Tempos e factos às vezes não jogam. Duas notas pessoais, registadas em 11/07/1968:
(i) Chegou o novo furriel de transmissões. Fui a Bambadinca saber se haveria transporte para Bissau para ir tratar dos dentes. Quininos e mais quininos destruiram o meu aparelho mastigador, mas convenhamos, seria mais uma tentativa de afastamento do cenário de guerra. Há que aproveitar.
Fui informado que, em Mansambo, tinha desaparecido um nosso soldado, na fonte, concerteza levado pelos turras. Logo de seguida a Companhia saíu para uma batida, na área e o Alferes de Mílicia de Moricanhe morreu com o rebentamento de uma mina A/P.
Continuo a aguardar transporte. Só a 19 saí para Bissau, de barco - chamado Corubal... Rápido, pois demorou só 5 h e meia.
Dia 20 fui ao Hospital. Marcaram consulta para 22. Lá estava eu. O médico queria arrancar-me 5 dentes. Não concordei. Tive alta. Fui para a guerra outra vez.
O episódio relatado do ataque na fonte em que o Saagum ficou ferido seria a 19/09/1968 e nessa altura não houve desaparecidos.
(ii) 07 h. Pequeno almoço. 8.30 h, rebentamentos na direcção da fonte. O 1.º Pelotão estava à água (o Saagum era do 1.º Pel). Ataque IN do cimo da copa das árvores. Reacção imediata do Pelotão, apesar do insólito.
Das árvores? Nunca tinha acontecido. Feridos! Antevê-se a tragédia. 1 morto e 11 feridos, 5 deles gravemente feridos.
Evacuação urgente. 3 Hélis evacuaram os feridos graves para Bissau e os menos graves para Bambadinca. Chegou coluna do Batalhão em ajuda. Reconhecimento da Zona. Trilhos, vestígios de sangue. Mau dia, este.
Dia 20. Comandante em Chefe, Governador da Província - Spínola. Trouxe notícias dos feridos e conforto moral.
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVIII: Reflexão de Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63): recordar ou esquecer a Guiné ? E qual delas ?
blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário