09 outubro 2003

Car@s ciberamig@s (II) : Novo regime jurídico de faltas e licenças

Esta é a interpretação (hilariante ? kafkiana ? bigbrotheriana ? totalitária ? brincalhona ? saudavelmente provocadora ? civilista ? sem adjectivos ? ) do novo regime jurídico das faltas e licenças à luz do novo Código do Trabalho, que como vocês sabem foi promulgado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto e vai entrar em vigor em 1 de Dezembro de 2003.

Portugal já tem finalmente o seu Código do Trabalho, com muitos anos de atraso em relação a países pioneiros como a França, por exemplo. Há muita gente a congratular-se com isso (o facto de agora sermos mais europeus do que éramos antes do Código do Trabalho).

A peça que se segue é atribuída ao director de pessoal (?) de uma conhecida multinacional, de origem asiática, estabelecida entre nós há largos anos.

(Nome da empresa)
Direcção de Serviços de Pessoal
Circular nº 17/2003, de 2 de Outubro de 2003


Assunto: Novo Código do Trabalho - Regime de faltas e licenças

Com a entrada em vigor, no dia 1 de Dezembro de 2003, do Código do Trabalho (Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto), o regime de faltas e licenças dos colaboradores sofre profundas alterações. Com a superior autorização do venerável conselho de administração da empresa, o director de pessoal entende ser seu dever esclarecer, desde já, os seguintes pontos:

1 . Baixa por doença

Estar doente não é desculpa para não vir trabalhar, excepto em caso de hospitalização. O atestado médico deixou de ser uma garantia de estar doente, pois se o colaborador estava em condições de, pelo seu pé, procurar um médico também podia ter vindo trabalhar. Além disso, há o provérbio lusitano que diz: “Trabalhar faz bem à saúde”.

2 . Morte na família

Não tem desculpa. Pelo morto não se pode fazer mais nada (muito menos a empresa, que não teve culpa nenhuma). Os preparativos para o enterro podem ser feitos por outro familiar do colaborador. Aliás, é para isso que servem as agências funerárias. Se o colaborador conseguir marcar o enterro para o fim da tarde, a firma deixa-o, de boa vontade, sair uma hora mais cedo. É pressuposto que tenha acabado o trabalho do dia.

3 . Perigo garve e iminente de morrer e que não possa ser evitado

Aqui o colaborador pode contar com a nossa compreensão se:

(i) informar o sucedido com 2 semanas de antecedência, já que somos uma empresa com gestão previsional da mão-de-obra; basta mandar um e-mail, um fax ou um correio azul para esta direcção de serviços a dizer: “Corro um sério risco de morrer dentro de quinze dias”;
(ii) em situação de emergência, atropelamento, acidente, morte súbita, etc., telefonar até às 8:00 horas da manhã para comunicar a triste ocorrência;
(iii) o ideal será sempre enviar a declaração da autoridade de saúde da área de residência do defunto, atestando por sua honra o facto do óbito e as suas causas prováveis, para efeitos epidemiológicos e estatísticos. Somos uma empresa com forte sentido de responsabilidade social e gostamos de colaborar com as autoridades do país mais ocidental da Europa que nos acolheu de braços abertos.

4 . Operações plásticas e outras intervenções cirúrgicas

Intervenções cirúrgicas, tais como operações plásticas, transplantes, etc. ficam doravante proibidas, com a entrada em vigor do novo “rationale” do contrato do trabalho, por violarem o direito de personalidade. A empresa contrata os seus colaboradores tal como eles são e tem a obrigação de proteger a sua vida íntima e privada. Tirar ou acrescentar qualquer órgão, fazer uma plástica e coisas similares pode ser motivo de despedimento com justa causa.


5 . Bodas de Prata/Ouro

Para uma festa deste tipo não damos dias livres. Se estiver casado há 25 ou 50 anos com a mesma pessoa, fique feliz por ainda poder ter o privilégio de, nos tempos que correm, de continuar a ser nosso colaborador.

6 . Aniversário

Há um provérbio oriental que diz: “O facto de teres nascido não quer dizer que o tenhas merecido”. Por isso não damos o dia! A cultura da empresa é favorável ao mérito e não os privilégios do nascimento.

7 . Nascimento de um filho

Por um erro desse calibre não damos dias livres aos nossos colaboradores: se alguém comete asneiras, não podem ser os nossos accionistas a pagá-las. E, além disso, você já teve a sua quota parte de gozo e divertimento.

8. Entrada em vigor

Estas e outras alterações ao regime jurídico de faltas e licenças entram em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003.


O director de pessoal,

(assinatura irreconhecível)



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AIG/LG- Out. 2003





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