08 outubro 2003

Estórias com mural ao fundo - VI: O cão, o homem do talho, o dono do cão e o pico do Evereste

Estava o homem do talho à espera dos fregueses quando foi surpreendido pela entrada dum cão dentro do seu estabelecimento. Enxotou-o mas o cão voltou logo de imediato. Quando tentava de novo espantá-lo, reparou que o animal trazia um bilhete na boca. Pegou no bilhete e leu:

- Quero uma dúzia de salsichas e uma perna de borrego.



O talhante só então reparou que o cão trazia, conjuntamente com o bilhete, uma nota de 50 euros, além de um saco com pão. O talhante pegou no dinheiro, preparou a carne, pegou nas salsichas, devolveu o troco e pôs tudo num outro saco que colocou na boca do cão. O homem estavas deveras impressionado a tal ponto que decidiu fechar o talho e seguir o trajecto do animal. Este começou a descer a rua e quando chegou ao cruzamento depositou os dois saco no chão, pôs-se de pé em duas patas, carregou no botão do semáforo na passadeira para peões, esperou pacientemente pelo sinal verde, atravessou a rua e, por fim, encaminhou-se para a paragem do autocarro, sempre com o homem do talho no seu encalço.



Na paragem, o cão olhou para a tabela dos horários e sentou- se no banco à espera do próximo autocarro. Quando este chegou, o cão conferiu o número e o destino do autocarro e subiu, ordeiramente para a viatura, em fila, na sua vez. Mostrou o passe ao condutor, sentou-se, fechou os olhos e repousou por uns instantes como faria qualquer dona de casa depois do stresse das compras matinais. O talhante estava cada vez mais espantado com a inteligência e o treino do animal...



Para abreviar a estória: o cão chega, finalmente, com as compras, à casa que se presume seja a casa do seu dono. Como a porta estava fechada, ele tentou atrair a atenção de quem estava lá dentro. Virou-se um pouco de lado, deu uma corrida e atirou-se contra a porta, como faria qualquer criança. Repetiu o gesto mais duas vezes, mas ninguém respondeu. Então contornou a casa, pulou um muro e começou a bater com a cabeça no vidro de uma janela. Dirigiu-se de novo para a porta de entrada, sempre com um ar compenetrado dos seus deveres. De repente, um homenzarrão salta lá de dentro e começou a desancar no pobre do bicho. O talhante correu em socorro do cão, gritando:

- Ó homem, o que é que você está a fazer? ... Ó meu Deus, mas este cão é um génio!

O homem retorquiu com maus modos:

- Um génio ???... Esta é já a segunda vez, numa só semana, que o estúpido do cão se esquece de levar a chave de casa quando vai à praça fazer compras!





Moral da estória:



Podes até subir ao pico do Evereste, que aos olhos do teu chefe (*) o teu desempenho ficará sempre aquém do esperado!



Conselho: Nunca deixes que sejam os outros a pôr, por ti, em teu nome, a tua fasquia no pico do Evereste...

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(*) ou dos outros, em geral: dos teus pais, do teu marido ou da tua mulher, dos teus filhos, do teu namorado ou da tua namorada, do teu/tua amante, dos teus professores, dos teus amigos, dos teus concidadãos, dos teus governantes ou até dos estrangeiros que vão à tua tenda comprar sonhos!

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