31 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCCXXIII: Ainda sobre os fuzilamentos (Jorge Cabral)

Post nº 823 (DCCCXXIII).

Texto do Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71).


Caro amigo, companheiro e camarada

Muito atarefado embora, tenho procurado seguir todas as intervenções produzidas sobre as questões dos Fuzilamentos.

Mantenho a opinião que sempre tive sobre a Guerra Colonial, uma guerra absurda, injusta e cruel. Já assim pensava em Mafra, quando conheci o camarada Tunes (1), por intermédio do amigo comum Resende.

Como já escrevi, as nossas experiências foram diferentes. Cada um de nós conheceu uma pequena parte da Guiné, e o contacto com tropas e populações africanas, que para uns foi diminuto ou inexistente, constituiu para outros o dia a dia, comendo juntos, dormindo lado a lado, partilhando medos comuns, e chorando os mesmos mortos. Será pois natural, que a sensibilidade com que abordamos o problema, reflicta essa realidade. Obviamente que uma coisa é analisar em abstracto, outra é sentir, recordando Homens concretos, com nome, família e sonhos, executados sumariamente.

Que o Exército Colonial cometeu crimes é verdade, o que não fez (nem faz) de nós todos violadores, torturadores ou massacradores. Inerentes ao colonialismo foram a violência, a opressão e a injustiça. De quem o combateu era legítimo esperar outro tipo de comportamentos mais idóneos à construção de uma sociedade mais Justa, Humana e Solidária.

Podemos evidentemente explicar e até procurar entender, mas tal não pode implicar a concordância ou aceitação, justificando porque sempre foi assim e transformando a vingança em regra. O crime não se combate com o crime, e o direito a ser julgado não é um luxo burgês, nem o "olho por olho, dente por dente" bíblico poderá ser tolerado. Trata-se de uma conquista da Humanidade, que deve ser vigente em todo o Mundo. Não existiram bons ou maus Gulagues, nem existem bons ou maus Guantanamos...

Informou o nosso historiador [Leopoldo Amado] que foram mortos cerca de 11.000 homens, e que em 1976 ainda se fuzilavam colaboradores dos Portugueses. Tal número é impressionante, e certamente ninguém de bom senso, admitirá que todos tenham sido criminosos de guerra, torturadores ou pides. Tratou-se de uma matança injustificada e absurda, cujas sequelas perduram até hoje, cá e lá. Também alguns dos meus soldados pereceram e nunca nenhum, durante os vinte e sete meses que os comandei, cometeu qualquer crime de guerra. Eram homens cansados, alguns com mais de quarenta anos, que faziam a guerra por necessidade e rotina, uma tropa fandanga sem heróis.

Quanto aos Comandos Africanos, conheci-os como Pessoas, em Fá Madinga, no período de instrução da Companhia. Nunca os acompanhei em combate e os temas das nossas conversas raramente incidiam sobre a guerra. Ensinavam-me costumes e tradições da Guiné, e eu retribuía, descrevendo a beleza do meu País.

Acredito que tenham cometido crimes de guerra como aliás todos os Africanos que~, aliados aos Portugueses, lutaram nas Campanhas de Pacificação. Falar no meu tempo, aos Homens Grandes Mandingas, no nome de Abdul Injaí, impunha ainda o respeito e o medo, mas também a admiração. Toda a história da Guiné do Séc. XIX e inícios do Séc. XX, está prenhe de violência, massacres, razias, saques.

Claro que não conhecíamos a História, tendo-nos sido inculcada a ficção de um País idílico, de pretinhos obedientes e portuguesíssimos, posto a ferro e fogo por traidores comunistas. Nós não sabíamos mas certamente a elite conselheira do Spínola havia estudado o passado e aprendido a manobrar as profundas inimizades étnicas. Sabiam eles, já então, também, qual seria o destino da Guerra, e o que iria acontecer à tropa africana.

Perdoa-me, Luís, a extensão do desabafo, mas qualificar de ingénua a minha intransigente posição sobre a dignidade da Pessoa Humana, em todas as circunstâncias, custa-me, porque há muitos anos ensino que nenhum Homem é monstro, que os monstros se abatem, mas que os Homens se julgam.

Um grande, grande Abraço

Jorge

P.S. – Se Amílcar Cabral fosse vivo, teria permitido o que aconteceu?
___________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXVIII: Ainda sobre os fuzilados... ou comentário ao texto do Jorge Cabral (João Tunes)

(2) Vd. post de 16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIV: Fala-se em 11 mil fuzilados (Leopoldo Amado, historiador)

1 comentário:

Vento Norte disse...


Caro Senhor Luís Graça

Em colaboração com a editora Verso da História, estou a finalizar um livro sobre o TC Marcelino da Mata, tendo como pano de fundo o conflito na antiga Guiné Portuguesa.
O seu blogue contém relatos muito interessantes sobre a matéria e o senhor dispõe igualmente de uma extensa lista de contactos. O trabalho que estou a elaborar, já em fase de finalização, carece de três ou quatro testemunhos de antigos combatentes que tenham privado ou combatido com o TC Marcelino.
Poderá o senhor Luís Graça fazer o favor de me fornecer alguns nomes e respectivos contactos (telefónico ou via e-mail, preferencialmente da região de Lisboa, onde resido) que me permitam atingir o que proponho?

Antecipadamente grato e ao dispor,

Jorge Monteiro Alves

(917920499)

Tomo a liberdade de enviar uma lista que engloba vários nomes que são do seu conhecimento:

João Parreira, Vassalo Miranda, Mário Dias

Saiegh, o Bacar Jaló, o Luís Graça, o Mário Dias, o Beja Santos, o João Tunes, o Jorge Cabral ou o Virgínio Briote
GRUPO DE COMANDOS DIABÓLICOS (ao tempo da estadia em Barro)

1ª Equipa

1º Cabo Marcelino da Mata
Soldado Carlos Alberto dos Santos Roberto
Alferes Briote
Soldado José Feitinhas de Matos/ANPRC10
Soldado Álvaro dos Santos/Enfº

2ª Equipa

Soldado José Marques
Soldado José Caleiro
Furriel Caetano Azevedo
Soldado António Alves Maria da Silva
Soldado Joaquim Esperto

3ª Equipa

Soldado Domingos Lopes
Soldado José C. Martins
Sargento Mário Valente
Soldado Albino Ferreira da Silva / MG-42
Soldado Mamadú Jaló
ª Equipa

Soldado Fernando Moura
Soldado Bacar Mané
1º cabo Carlos Faria Black
1º Cabo Casimiro Anselmo
1º Cabo António Domingues
Alf. V. Briote (CCAV 489/BCAV 490)
2º Sarg. Mário J. Machado Valente (CCS/QG)
Fur. Caetano Azevedo (CCAÇ 764)
Fur. Fernando Marques de Matos (Pel Caç 953)
1º Cabo Carlos Filipe Faria (CCaç 462)
Sold. Bacar Djassi (CCS/QG) (fuzilado)
1º Cabo Mamadu Jaló (Agrup 16) (fuzilado)
Sold. Albino F. Silva (CCS/BCAÇ 697) (falecido)
Sold. José Vicente Caleiro Júnior (CCS/BCAÇ 697)
1º Cabo José Henriques Cristóvão(CCS/BCAÇ 790)
Sold. António Jesus da Silva (CCS/BCAÇ 790)
Sold. António A. M. Silva (CCAÇ 674) (morto, Jabadá, 06/03/66)
Sold. Fernando Simões Moura (CCAÇ 726)
Sold. António Amador Caeiro (CCAÇ 726) (falecido)
Sold. Bacar Mané (BAC) (falecido)
1º Cabo António Rita Domingues (CART 732) (falecido)
Sold. Álvaro dos Santos (CCAV 677)
Sold. Carlos Alberto S.Roberto (CCAV 677)
Sold. Domingos Lopes (CCAV 703)
1º Cabo Casimiro Oliveira Anselmo (CCAV 789)
Sold. José Correia Martins (CCAV 789)
Sold. Joaquim Ventura Esperto (CCAV 789)
Sold. José Feitinha de Matos (CCAV 789)
Sold. Diamantino F. M. Carvalho (CCAV 789)
Sold. José Joaquim Pereira Marques (CCAV 678)