31 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCCXXIV: Antologia (40): A vergonha em debater a guerra colonial (António Luís Marinho)

Post nº 824 (DCCXXIV).

Caros amigos e camaradas de tertúlia: Este blogue, colectivo sobre a experiência da guerra colonial na Guiné, tem sido um espaço privilegiado para dar voz (e rosto) aos antigos combatentes, de um e de outro lado. É um espaço plural, logo de liberdade, onde as diferenças (de pontos de vista, de sentimentos, de valores, de percepções,de estilos comunicacionais, de idiossincrasias, etc.) não impede que haja comunalidades na procura da verdade, no diálogo, na construção de pontes entre o passado, o presnete e o futuro, na reconstituição do puzzle da memória (de dois povos, dois países, dois continentes...). Espaço de liberdade, mas também de solidariedade, com o povo irmão da Guiné-Bissau... Não somos um clube de saudosistas, de africanistas, de veteranos...

Temos sido muito proactivos na produção e divulgação de textos e imagens, de preferência inéditos, pessoais, datados... Tal não impede, que de vez em quando, se reproduzam aqui documentos que trazem alguma luz sobre a complexidade realidade deste tempo histórico de que todos, de um lado e de outro, fomos protagonistas.

Serve este preâmbulo para justificar a reprodução, com a devida vénia, da entrevista ao DN - Diário de Notícias, em Abril passado, dada por Luís Marinho, que acabou de publicar um trabalho de investigação jornalística sobre a Op Mar Verde que, ainda hoje, tantas paixões de sinal contrário desencadeia entre nós...

O autor que teve acesso a fontes privilegiadas, a começar pelo cérebro da operação, Alpoím Galvão, diz pelo meso duas ou três coisas que eu gostaria de aqui sublinhar e reter: (i) o processo oficial da operação foi mandado destruído, em nome da segurança de Estado; (ii) a instituição militar portuguesa não quer (pou ainda receia) abrir "caixa de Pandora que são os dossiês da guerra colonial: isso eu já o sabia, desde a minha colaboração com o o jornalista Afonso Praça no defunto O Jornal, no princípio da década de 1980; e, por fim, (iii) temos ainda vergonha de falar, em privado e em pública, da guerra dita colonial ou do ultramar (de liberatção, dirá o Pepito ou o Leopoldo Amado): não apenas nós, também os nosso amigos guineenses... Será verdade ? A generalização não é abusoiva ? Nóis, peo menos, neste blogue aprendemos a falar em voz alta, olhos nos olhos, desta experiência, individual e colectiva, que nos marcou a todos de maneira indelével... Todos quisemos esquecer a Guiné, em algum momeno, e acabámos por estar aqui, rindo, falando, escrevendo, cantando, chorando, blogando em conjunto, numa caserna que é do tamanho do mundo... (LG)

PS - Aproveitem para comprar e ler o livro, aproveitando os descontos da Feira do Livro, de Lisboa e Porto, a abrir agora, nos próximos dias do mês de Junho. É apenas uma sugestão de leitura, nunca esquecendo que há muito mais mundo para lá da Operação Mar Verde bem como da própria guerra colonial e até da nossa querida Guiné-Bissau...


'Mar Verde': revelados documentos sobre operação militar ainda secreta.
Manuel Carlos Freire. Diário de Notícias. 17 de Abril de 2006


A Operação Mar Verde, realizada em Novembro de 1970, foi uma das maiores e mais controversas missões executadas pelas Forças Armadas portuguesas nas guerras coloniais (1961-1974). Mas só agora vê rompido o secretismo decorrente da falta de documentação nos arquivos civis e militares oficiais e do seu não reconhecimento pelo Estado.

António Luís Marinho, autor do recém-lançado livro Operação Mar Verde, Um Documento para a História, contou ao DN que o seu trabalho de pesquisa documental confirmou "a tradição de não dar aos arquivos os documentos oficiais" produzidos.

O jornalista (e actual director de informação da RTP) revela pela primeira vez um conjunto de textos oficiais sobre aquela operação. Contudo, "não acredito que haja uma discussão" sobre o assunto porque há "pouca tradição, infelizmente, de discutir" as questões da guerra colonial. "Parece que metemos a cabeça na areia, que há vergonha" de a debater, lamenta o autor.

O livro começou a ser preparado há 11 anos, quando "o entusiasmo" com que Luís Marinho ouvia o comandante Alpoim Calvão falar do ataque por si liderado contra a República da Guiné-Conacry "não [o] deixou indiferente". "Percebi também que estava ali uma história que valeria a pena contar", escreveu o jornalista no prefácio do livro editado pelo Círculo de Leitores. A importância de contar essa história era tanto maior quanto o marechal António de Spínola (comandante-geral e governador daquela colónia à data dos acontecimentos), assumira perante o Centro de Estudos das Campanhas Africanas (em 1989) que "o processo oficial sobre a "Operação Mar Verde" foi destruído".

A obra, escrita em estilo de reportagem e com recurso a fontes das duas partes em conflito, revela na íntegra 18 documentos de arquivos particulares, permitindo conhecer as posições (tanto no plano político como militar) de vários dos actores envolvidos. Além de divulgar A solução do problema da Guiné preconizada pelo general António de Spínola, o livro publica a "ordem de operações" manuscrita daquela operação, o relatório elaborado por Alpoim Calvão após a sua realização ou o redigido pelo comandante do único dos navios que tinha como missão "abicar em terra para desembarcar forças", o primeiro-tenente Costa Correia (um dos poucos que verbalizaram reservas à operação).

No livro, onde o jornalista lembra o contexto político, diplomático e militar da época, e historia a preparação e execução da Mar Verde, sobressaem precisamente as dúvidas e reservas existentes ao nível político e militar contra a operação.

Esta foi pensada por Alpoim Calvão, que a apresentou a Spínola em Agosto de 1969. O brigadeiro do monóculo "ouve com visível agrado a proposta de Calvão e diz-lhe para avançar com os preparativos", escreve Luís Marinho na página 62. Mas só no fim desse ano é que a missão ganha contornos definidos, quando dissidentes da Guiné-Conacry (ligados aos serviços secretos franceses) pedem apoio ao Ministério do Ultramar para derrubar o Presidente Sékou Touré.

O autor diz, ainda na mesma página, que "as Informações constituíram, desde o início, o 'calcanhar de Aquiles' da operação, e uma constante preocupação para Alpoim Calvão". Mas esta consciência, que a operação validaria, não fez vacilar o chefe fuzileiro. E tanto ele como o general Spínola deram ordem de prisão e fizeram ameaças directas aos que ousaram exprimir dúvidas sobre a exequibilidade da operação.

Outro aspecto singular da operação é que, já em Novembro e a poucos dias do início da acção, "há passos decisivos que não foram ainda dados" (página 86). Spínola, tendo pareceres negativos dos ministros da Defesa, Sá Viana Rebelo, e do Ultramar, Silva Cunha - o chefe da diplomacia, Rui Patrício, desconhecia o assunto -, "decide jogar o tudo por tudo e vai até ao limite", escrevendo ao presidente do Conselho uma carta que manda entregar por "um enviado especial" - o próprio Alpoim Calvão, recebido por Marcello Caetano a 16 de Novembro.

Luís Marinho revela também o diário pessoal do comandante da Defesa Marítima da Guiné (CDMG), comodoro Luciano Bastos, em que este revela "a fúria" de Spínola com os resultados da operação. Tendo-o chamado ao seu gabinete, o brigadeiro disse-lhe, "por vezes com grande excitação, que o Calvão, embora tivesse planeado tudo muito bem e que, sem ele, a operação não se realizaria, havia falhado redondamente no campo da execução". Spínola "acrescentou ainda que o Calvão actuara como para realizar um golpe de mão, sem ter percebido que o fundamental ali era o golpe de Estado", lê-se no diário do comodoro.

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