16 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDLIII: O Hotel de Bambadinca

Bambadinca. Março de 1969. O furriel miliciano Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo), aguarda transporte, de Bambadinca para Bissau, para gozo da sua licença de férias na Metrópole (vd fotos a seguir).

Um felizardo do mato, com direito a férias (nem que fosse em Bissau, também conhecida por guerra do ar condicionado), ia de barco, civil, a partir de Bambadinca, ou apanhava uma LDG no Xime ou, ainda, uma boleia, de helicóptero ou de Dornier (o que era mais difícil, por causas das prioridades, do elevado custo do transporte aéreo e sobretudo do factor C - a cunha).

A sede da CCS (Companhia de Comando e Serviços) do BCAÇ 2852, em Bambadinca, funcionava como hotel para os militares em trânsito, oriundos dos aquartelamentos e destacamentos do sector (em especial, Xime, Mansambo, Xitole, Missirá e Fá Mandinga) ou até de outros sectores da Zona Leste (Bafatá, Gabu, Galomaro...).

Comparadas com as do Xime, Mansambo ou Xitole, as instalações para oficiais e sargentos em Bambadinca eram as de um hotel de cinco estrelas... Daqui que a malta de Bambadinca (CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras unidades) arranjasse sempre poiso para os alferes e furriéis milicianos em trânsito... Mais do que cumplicidade, havia solidariedade para com os camaradas que viviam em piores condições do que nós... De resto, havia sempre camas vazias, nomeadamente da malta operacional que frequentemente dormia no mato (como era o caso da CCAÇ 12)



Foto nº 1 > "A foto foi tirada pelo Furriel Rei (Cart2339), meu inseparável companheiro de férias - diz o Carlos Marques dos Santos. - No interregno das nossas férias aconteceu o desastre do Cheche – Madina do Boé, onde também a CART 2339 esteve envolvida com material auto e apoio logístico (1).


"Na primeira fila, vêem-se os Furriéis Oliveira e Soares. Na 2.ª fila, eu (Marques dos Santos) mais o furriel Carlos Pinto".

O Humberto Reis confirma que o Soares que aparece na foto é o José Manuel Amaral Soares, ex-furriel miliciano sapador de minas e armadilhas, pertencente à Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do BCAÇ 2852. Foi um dos co-organizadores do convívio anual da malta de Bambadinca (1968/71) que se realizou em 2004, em Faro (2).

Em 1999, realizou-se outro convívio, já aqui relembrado (3), na Quinta da Graça, em Riade, Resende, junto ao Rio Douro. A Quinta da Graça é propriedade de outro camarada do nosso tempo, e da mesma unidade (CCS do BCAÇ 2852), o Pinto dos Santos, que era furriel de operações e informações (se não me engano).




Foto nº 2 > "Aqui, já com o Furriel Rei na 1.ª fila"... Como se pode ver pelas fotografias, não se passava sede no Hotel de Bambadinca e, a avaliar pela decoração das paredes dos quartos, os seus hóspedes tinham uma permanente ligação (espiritual, estética, mágica, poética, erótica...) com o mundo dos vivos (ou, melhor, das vivas...).



Foto nº 3 > "Eu, Marques dos Santos, no Hotel de Bambadinca"...

Manda dizer o Humberto Reis, a propósito destas fotos:

Carlos Marques, acertaste em cheio. É ele mesmo, o Soares, sapador, que mora aqui na zona de Lisboa (mais concretamente, em Caneças, concelho de Loures).

"Fotos 1 e 2: O que está na 1ª fila do lado esquerdo é o Ranger Fernando Jorge da Cruz Oliveira, de quem sou visita habitual lá de casa. Temos dado uns belos passeios juntos com as nossas Marias (também mora aqui na região de Lisboa, em Fernão Ferro, cocnelho do Seixãl). O que está ao teu lado é o radiomontador Carlos de Oliveira Pinto que mora no Porto, aliás o Sr. Engº Pinto....

"Na foto 3 pode ver-se um frigorífico que eu comprei quando os velhinhos da CCS do BCAÇ 2852 se vieram embora e ficou para a malta da CCAÇ 12 que depois mudou para o meu quarto". Um frigorífico (eléctrico), naquelas paragens e naquele contexto, era um verdadeiro luxo! O nosso só funcionava à hora do almoço e à noite, quando estava ligado o gerdaor... Foi depois revendido aos periquitos que nos vieam render, em finais de Fevereiro de 1971. E julgo que terá chegado, heroicamente, até à hora da partida do último soldado português na Guiné. Provavelmente terá sido oferecido a um camarada do PAIGC. Por falta de energia eléctrica, terá morrido ingloriamente no montão de lixo que deixámos em Bambadinca, a começar pela tralha da guerra...
______

(1) Notas de L.G.:

Vd post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

(2) Vd post de 20 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca

(3) Vd post de 23 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVII: Convívios do pessoal do BCAÇ 2852 e da CCAÇ 12: Resende (1999)

Sem comentários: