18 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "É uma casa portuguesa, concerteza...". Uma morança com um homem grande e a sua família... © José Teixeira (2005)


Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > A mulher do régulo e a filha...
© José Teixeira (2005)




Texto de Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71):


Companheiro Luís,

Continuo a acompanhar diariamente o teu/nosso blogue, o qual me tem permitido repescar do sótão da memória inúmeros episódios, alguns sofridos e outros intensamente gozados.

Na Guiné, além da guerra real, havia outra mais absurda – a dos papéis. Como Comandante de um Pelotão Independente, era inundado por um vultoso expediente, quer por via postal, quer através da rádio, o qual ia arquivando debaixo da cama.

A estória que hoje envio foi uma das minhas raras respostas às solicitações de Bissau, e ia tendo um péssimo resultado... Remeto, porque também tive momentos de tristeza, dois poemas, um escrito em Fá e outro em Finete, onde passei quinze dias à espera do "IN".

Um Grande Abraço de até Sempre e em Todos os Dias,
Jorge



O Jagudi de Barcelos (1)

Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética (2).

Assim, no rescaldo do ataque ao Batalhão (3), lembro o primeiro, à noite, de G-3 em bandoleira, pedir-nos:
- Se houver ataque, acordem-me . - Eu, então periquito, fiquei inteirado…

Do substituto deste, recordo o Xime e o Posto de Socorros, no qual ele resolveu tratar uma fístula anal, cena presenciada por toda a tropa que ali se encontrava, para iniciar uma operação. (Estava lá a CCAÇ 12, foi a do dilagrama)(4).

Quanto ao Polidoro, não sei porquê, meteu na cabeça que eu devia ser louvado pelo Com-Chefe, tendo até, para o efeito, ido a Bissau. Afinal estraguei tudo… Em vez de tal louvor, o que o Tenente-Coronel conseguiu, foi livrar-me de uma porrada.

É que, precisamente nessa altura (meados de Julho de 71, muito após ter completado dois anos de mato), recebi uma mensagem, perguntando-me qual o tipo de habitações que se deviam construir para os soldados africanos. Perante o absurdo, não hesitei, e acto continuo respondi:
- Uma casa portuguesa, com certeza. Não há mesa, mas no chão um alguidar com bianda e peixinho da bolanha... fica bem. Um raminho de capim. E claro, à entrada, de Barcelos, um Jagudi….

Jorge Cabral (2006)


Molhi Daaba


Molhi Daaba no meu lençol
Fecha o seu corpo
Como Flor
Que teme o sol.
Com medo e dó
Não dá - Empresta
E desta noite
Nada me resta.


“Estou só”
Nov. 69, Fá Mandinga

Jorge Cabral


Sala de Operações


Néscio, burro, o Major aponta
No mapa a linha de Água
(Que é um largo rio). Faço de conta
E gozando, mascaro a minha mágoa.

Claro que sim, meu Major
Golpe de pé, Golpe de mão
De Badora ao Cuor
E penso (Que cabrão…)

O major planeia a promoção
Eu nada planeio. Adio a vida
Até poder dizer que não
Quando não for, a Esperança proibida.


Jorge Cabral
Finete, 19/2/71



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Notas de L.G.

(1) Vd posts de 5 de Janeiro de 2006 >

Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas)

Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...

Vd. post de 7 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXIX: Estórias cabralianas (3): o básico apaixonado

(2) Algumas destes nossos comandantes já aqui foram evocados, por mim e pelo David Guimarães. Vd posts de:

29 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1)

26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6)

(3) Em 28 de Maio de 1969. Vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(4) Vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)

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