18 fevereiro 2006

Guiné 63/74 - DLX: Nha fidju i fidju de soldado (Paulo Salgado)

Guiné > Olossato > 1970 > O Alf Mil Cav Salgado, dando uma mãozinha ao pessoal dos serviços de saúde da CCAV 2721.

© Paulo Salgado (2005)


Camaradas e Amigos:

Quero contar-vos uma estória. Em 1991, corria um Fiat Uno vermelho na picada, então muito boa, de Varela para S. Domingos [na região do Cacheu]. Lá dentro um casal. Seriam quatro da tarde. O sol ainda aquecia e o carrinho não tinha ar condicionado, apenas o ventinho quente aligeirava a modorra dentro da viatura, entrecortada pelos monossílabos que o casal ia trocando.

De repente, após uma curva, sob o peso de um jigo de verga de palmeira bem carregado de nadas (suponho), uma mulher gritava:
- Bolem, bolea!- .O condutor parou adiante, ajudou a colocar o cesto na bagageira, a arrumar a mulher no banco de trás. A mulher do condutor:
- Boa tarde, boa tarde; tome estas bolachas... para onde vai?
- Pa S. Domingos... - respondeu a convidada. O condutor:
- Manga de calor! - E ela:
- Calor, tchiu! - O condutor:
- A nôs portuguesis... - E ela:
- Ah, nha fidju i fidju de soldado. I lebal pa Lisboa. I na cuida del. I na manda dinheru um bokadu…

O condutor e a mulher ficaram estarrecidos. Aquele soldado... Lá de Portugal... grande exemplo de grandez... Verdadeira, esta estória. Comovente. Rememoro-a, a propósito do que ultimamente se tem falado no nosso blogue .

E queria acrescentar algo. Se me permitis, camaradas. Um aquartelamento. Arame farpado à volta. Saídas para emboscadas, patrulhamentos, golpes de mão; ou sofrer ataques, alguns bem perto, direi mesmo ao arame, ou de longe com mísseis…E, pelo menos 150 tipos entre os 20 e 25 anos (no caso de uma companhia sediada em tabanca). O quê de isolamento, o quê solidão, o quê de sexo – como aguentar tal sofrimento, tal ansiedade?!

Já reparastes como é sofrida uma guerra neste particular aspecto? Tanta coisa aconteceu, camaradas. Algumas estórias não nos dignificam, camaradas. Ainda que nada seja tabu, demos ter algum recato quando falamos de terceiros, de outras pessoas que estão vivas, que deverão ser respeitadas. E a dignidade passa por nós próprios. Nada é tabu. Mas tudo deve ser (re)contado com muita dignidade.

Paulo Salgado (2006)

Recorde-se que, para além de antigo Alf Mil Cav da CCAV 2721, comandada pelo então Cap Cav Tomé (nos idos tempos de 1970/72, lá para os lados do Olossato, a sudoeste de Farim, e depois em Nhacra, a nordeste de Bissau), o Paulo é também, hoje em dia, um cooperante activo, solidário e empenhado, na Guiné-Bissau, estando à frente do Hospital Nacional Simão Mendes (LG)

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