04 abril 2006

Guiné 63/74 - DCLXVII: O sentimento de um tuga... na hora da despedida (A. Marques Lopes)

Caríssimo amigo Luís

Sabes tu, e todos os nossos amigos tertulianos, que há-de haver uma comoção e um sentimento enorme, só ultrapassável, com certeza, quando pisarmos aquele chão que marcou a nossa juventude.

Não é das minhas simpatias - e tu calculas porquê -, mas estou admirado, e sinto quase tudo o que ele diz (há as nuances das divergências, é claro), pelo que vou transmitir algumas palavras do Alpoim Calvão na Introdução do livro que o Jorge Santos, muito bem, enviou recentemente para conhecimento do blogue:

«A guerra ensinou-me muitas coisas. Entre elas, o respeito por alguns adversários, neste caso, os guerrilheiros do PAIGC, principalmente os homens do mato, corajosos, frugais e persistentes. Os dois lados em confronto, por vias diferentes, em última análise e síntese, batiam-se pelo mesmo objectivo: Uma Guiné melhor, na feliz frase do general Spínola, via da autodeterminação e independência.

"Foi uma vida cheia de movimento, de aventura, de plenitude. António Gedeão, resumiu magistralmente tudo isto, no Poema da Malta das Naus:

Com a mão esquerda benzi-me
Com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
Outras mil me levantei.

Tremi no escuro da selva,
Alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
Mulheres de todas as cores.


(In: Operação Mar Verde - Um documento para a história, de António Luís Marinho, 2006, pp. 9-10)(1)


... Claro que eu não tenho casa em Bolama, não sou amigo do Nino, mas vou sentir o que ele sentiu, de certeza:

«Aqui, da varanda da minha casa de Bolama, avisto o canal do porto e, do outro lado, São João. A pequena cidade está bastante escalavrada, mas as pessoas são hospitaleiras e afáveis. Emana do próprio lugar um encanto que não sei definir. A Guiné-Bissau é toda assim. Sinto-me solidário com estes povos e procuro, no limite das minhas pequenas possibilidades [tem lá empresas de cajú], ajudá-los a criar postos de trabalho onde possam, através do seu labor, ganhar o pão com a dignidade única que o trabalho dá... Entre eles, encontram-se alguns dos que, apanhados pelas encruzilhadas da história e pela falta de vergonha e de sentido de honra de certos portugueses, contubernais quase permanentes da mesa do poder, sofreram angústias e derramaram lágrimas. Foram meus amigos e camaradas nas Forças Armadas Portuguesas. Continuam a sê-lo.

"Estamos todos empenhados no caminho da Guiné melhor, senhora dos seus destinos, no combate à pobreza, à doença, à ignorância, como merece este povo que habita um país tão bonito, com reais possibilidades de desenvolvimento económico e consequente criação de riqueza.

"É, provavelmente, a minha última aventura. Cai a noite. Agradeço a Deus a vida e o livre arbítrio. A escolha está feita. Vai diminuindo a luminosidade e passo a contemplar um docel de estrelas igual ao avistado por Nuno Tristâo e Diogo Gomes, quinhentos e cinquenta anos passados (talvez com pequeninas diferenças de declinação e ascensão recta).» (Ib., pp 10-11).


... Mais: sei que vou sentir as minhas próprias emoções. Hei-de transmiti-las também.


Abraços
A. Marques Lopes (a escassas horas de partir para a Guiné-Bissau, em viagem por terra, de jipe)

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Nota de L.G.

(1) Vd pots de 1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVII: Bibliografia de uma guerra (12): Op Mar Verde

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