18 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCLXXI: Do Porto a Bissau (18): Sadiu Camará, um sobrevivente (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O Zé Teixeira com o chefe da tabanca e a sua lindíssima filha. A tabanca Lisboa, a 5 Km de Buba, era um antigo centro de treino do IN, de nome Sare Tuto... Aqui ainda vivem vários antigos combatentes do PAIGC... Sadiu Camará, antigo paraquedista, casou aqui com uma guerrilheira... Foi ele que mudou o nome da aldeia e ajudou a população como caçador... Uma história com final (quase) feliz. (LG)

© José Teixeira (2005)

Guiné-Bissau > Saltinho > Abril de 2006 > Saliu Camará, beafada, um antigo paraquedista português, um sobrevivente nato...

Foto: © A. Marques Lopes (2006)

1. Texto do A. Marques Lopes:

Já que se fala dos guineenses que estiveram ao lado da tropa portuguesa contra o PAIGC, vou contar-vos o que o Sadiu Camará, beafada, me contou a mim (1):

(i) tirou o curso de paraquedista em Tancos, 70/71, e regressou à Guiné na Comp.ª 122 do BCP;

(ii) com essa companhia participou em operações, fazendo especialmente de intérprete, participando, inclusive, em interrogatórios de prisioneiros; isto até ao 25 de Abril;

(iii) após esta data, fugiu de Bissau e foi para a zona de Fulacunda, embrenhando-se no mato durante seis meses, sobrevivendo com recurso à caça, raízes e frutos alimentícios;

(iv) durante esse período ajudou com as suas peças de caça as populações daquela zona, sendo aceite por eles;

(v) acabou por ser apanhado e esteve preso durante seis semanas: "levei muita porrada e passei muita fome", disse-me;

(vi) mataram vários que também estavam presos, mas a ele não o mataram porque tiveram em conta as ajudas por ele prestadas às populações;

(vii) perguntei-lhe, a propósito, quem é que tinha mandado fazer os fuzilamentos; disse-me, sem hesitações: "foi o Nino Vieira, que era comissário das Forças Armadas, o Gazela (comandante daquela zona, na altura, já falecido) e o Chico Té (nome de guerra de Francisco Mendes, morto em 1998, de forma violenta e em circunstâcias estranhas);

(viii) após ser libertado, inscreveu-se na Juventude Amilcar Cabral, onde esteve seis anos;

(ix) após deixar essa organização, acompanhou, como guia, durante dezoito anos, os técnicos do Centro de Conservação da Natureza (disse-me o nome de um deles, o dr. António Araújo);

(x) em 1998 foi incluído nas Forças Armadas da Guiné, ao lado de Ansumane Mané, como faz questão de frisar;

(xi) viveu na tabanca Sare Tuto, antiga base do PAIGC, na zona de Buba, aí casando com a guerrilheira Neura, beafada, e construíu, depois, uma tabanca, a que deu o nome de Lisboa, cujo actual chefe é Assume Cassamba, onde construíu um posto de recolha de água e um sistema de produção de sal; segundo ele, é ainda "consultor" (homem que faz coisas e apoia a população) dessa tabanca;

(xii) trabalha actualmente como guarda no Clube de Caça do Saltinho.

Outro percurso, como se vê.

A. Marques Lopes

PS - Disse-me o José Teixeira, após divulgação desta minha mensagem através de e-mail, que Sare Tuto é a tabanca Lisboa, nome mudado pelo Saliu Camará. E ele até tem fotografias dessa tabanca. A fundação a que o Camará se me referiu foi, pois, uma mudança de nome. Diz também o José Teixeira que ele é guia e pisteiro dos caçadores que vão ao Clube de Caça do Saltinho, e não guarda. Também o percebi mal. Fica a correcção.

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Nota de L.G.:

(1) Por elementar precaucção (protecção das nossas fontes de informação e segurança das pessoas), perguntei ao António se podia publicar as (in)confidências sobre o Camará... "Haverá problemas de segurança ? O nosso blogue chega à Guiné, aos esbirros do Nino Vieira ?"...

Resposta pronta do nosso camarada:

Caro Luís:

Não me parece que haja problemas graves.

Primeiro, porque o Camará não tem papas na língua e conta isto que eu contei em frente de toda a gente, porque é um homem conceituado e querido junto das populações, sente-se seguro.

Segundo, porque muita gente ouvi na Guiné a dizer mal do Nino abertamente, sem peias, inclusive o jornal Gazeta, que se publica todos os dias em Bissau, trazia diariamente editorias altamente críticos ao Presidente, assinados por António Monteiro (o que muito me espantava), daí eu estar convencido que a situação não ficará como está durante muito tempo.

É talvez por isso que o Nino anda, actualmente, empenhado numa campanha de pacificação da sociedade guineense... E não me parece que os serviços de inteligência guineenses estejam tão avançados a ponto de vasculharem a Internet (...).

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