16 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCLXI: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O coronel A. Marques Lopes, o comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar. Foto: © Xico Allen (2006)



Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O A. Marques Lopes e o Lúcio Soares. Foto: © Xico Allen (2006)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > Darami Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra, e que hoje mora lá. É irmão do Mulé.
Foto: © A. Marques Lopes (2006)


Guiné-Bissau > REgião de Baftá > Sinchã Jobel > Mule Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra, e que hoje mora lá. É irmão do Darami.

Foto: © A. Marques Lopes (2006)

Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...

Comentário de L.G.: Agradeço ao A. Marques Lopes e ao Xico Allen esta oportunidade, excepcional, de conhecer o rosto daqueles a quem chamávamos eufemisticamente o IN... Pois o IN tinha rosto, eram homens (e mulheres), de carne e osso, como nós, que combatiam pelas suas razões... Reencontrá-los, apanhá-los ainda vivos e lúcidos, pô-los a falar, ouvi-los, saber por onde andaram, reconstituir a sua estória de vida como guerrilheiros, sentir a pulsão das suas emoções, paixões, alegrias e medos, mexer com a sua memória, fazer as pazes come eles... é uma tarefa urgente e imprescindível para que a nossa missão, agora de paz, se cumpra definitivamente...

Temos essa obrigação, a de dar voz (e imagem) a esses velhos guerrilheiros, caboverdianos e guineenses, que deram o melhor da sua vida e da juventude pela realização de um sonho, o sonho de Amílcar Cabral e de mais um punhado de homens e mulheres que queriam ser livres e donos da sua terra, e passar a falar connosco, em português, mas de iguais para iguais... O texto e as fotos que hoje inserimos marcam um momento muito simbólico da vida da nossa tertúlia... Perdõem-me o abuso do tempo de antena, mas eu, como editor do blogue, precisava de fazer esta pequena chamada de atenção. Obrigado Marques Lopes, Xico Allen, Lúcio Soares, Braima Dakar e irmãos Nabo... L.G.

Encontro com o IN


... Mas, desta vez, este encontro não meteu tiros, como sucedeu naquele dia 24 de Junho de 1967, durante a operação Jigajoga (1). Ao invés, tivemos que nos haver, em conjunto, com os belos pratos do restaurante Colete Encarnado, em Bissau, e isto sucedeu na noite do dia 21 de Abril de 2006, já eu e o Allen estávamos sozinhos (os restantes tinham regressado a Portugal no avião da tarde).

Através do nosso grande amigo Pepito , consegui o telefone do comandante Lúcio Soares, convidei-o para jantar e ele acedeu prontamente a estar comigo e com o Allen. Não tenham dúvidas que foi um encontro emocionante para mim, estar com o chefe guerrilheiro que montou a emboscada que me fez ficar uma noite na bolanha de Sinchã Jobel (2) e que, mais tarde, me mandou nove meses para o hospital (3).

Falámos sobre isso, e mostrou ser um homem calmo e comedido. Ele tem agora 64 anos e chegámos, pois, à conclusão que andámos aos tiros um ao outro, eu com 23 anos e ele com 25, eu mandado para lá sem quaisquer objectivos pessoais, a não ser sobreviver durante a missão que me foi imposta, e ele, como me disse, com o objectivo muito assumido de lutar pela independência da sua terra. Concordámos que foi pena as coisas se terem passado como passaram, que era melhor ter encontrado outra forma menos dolorosa de resolver o conflito imposto.

Contou-nos algumas coisas do seu percurso. As baracas foram montadas em Sinchã Jobel em Maio de 1967 e, a propósito, perguntou-me se, quando lá fui a 24 de Junho, já sabia que eles estavam lá. Esclareci-o que eu não sabia nada, mas que as cabeças pensantes tinham suspeitas disso sem me dizerem, que eu fui num jogo de cabra-cega, ao ludíbrio, que é o que quer dizer jigajoga, e por isso lhe deram o nome.

Enquanto lá esteve como comandante, o Gazela (morreu há cerca de dois meses) era o seu comissário político. No princípio de 1968 saíu para ir comandar a base do Morés, passando o Gazela a comandar Sinchã Jobel. Em 1970 o Gazela foi para sul, para a zona de Empada, mas não me soube dizer qual foi o seu substituto.

Após o 25 de Abril integrou o grupo do Pedro Pires, em Londres, para negociar a formalização da independência. Mais tarde foi Ministro da Defesa no governo de Luís Cabral. Após o golpe de Nino Vieira, em 1980, exilou-se em Cabo Verde, onde esteve durante 14 anos. Regressou depois e está, agora, reformado como coronel (mantem o nome comandante porque é histórico).

Contou-me que sofreu uma emboscada em 1968, na zona de Sambuiá (uma das zonas da minha actividade operacional, quando na CCAÇ 3 em Barro), quando se dirigia ao Senegal. Terei sido eu? Não sei.

O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Camará, numa das fotografias, é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores em chão manjaco (4). Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada.

O Mulé Nabo e o Darami Nabo são dois guerrilheiros do PAIGC, irmãos, que estiveram na base de Sinchã Jobel durante a guerra, em cuja tabanca moram actualmente. Perguntei ao Lúcio Soares se queria ir comigo lá, mas ele disse que não tinha disponibilidade.

Curiosamente, quando estávamos já a comer, entraram dois polícias no Colete Encarnado e ficaram numa mesa atrás. A certa altura, o Lúcio Soares foi à casa de banho e, quando voltou, deu com os polícias. Foi quando me disse que não podia ir a Sinchã Jobel e, de seguida, se levantou e se desculpou pois tinha de ir embora. Os polícias foram de seguida.

Mas eu e o Allen fomos a Sinchã Jobel. Depois conto.

Abraços
A. Marques Lopes

____________

Nota de L.G.

(1) Vd post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)

(...) " Na primeira metade de 1967, o PAIGC montou uma base de guerrilha em Sinchã Jobel. Sem querer (...), fui eu que dei com ela. O responsável militar dessa base era o Comandante Lúcio Soares, que foi, depois da independência, Ministro da Defesa; o responsável político era Cabral de Almada, conhecido como Comandante Gazela, que foi Vice-Presidente da Assembleia Nacional Popular.

"Quando estive na Guiné-Bissau, em 1998, pouco antes do golpe de Ansumane Mané, tive uma conversa muito interessante com o Comandante Gazela: lembrámos muita coisa sobre Sinchã Jobel, falámos dos problemas do povo guineense, concordámos que era melhor não termos andado aos tiros uns aos outros (pediu-me desculpa por me ter mandado para o hospital, mas teve de ser assim...)... e demos um abraço de despedida" (...).

(2) Vd. post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXVI: Na bolanha dá para pensar...


Excerto de um comentário de L.G. sobre este texto do A. Marques Lopes: "É um texto de uma grande riqueza humana e de excelente recorte literário... Um texto de cortar a respiração, ao reconstruir o inferno da guerra, o inferno físico e psicólogico daquela guerra, ao mostrar o absurdo daquela guerra e das suas razões de Estado...Fiquei com a ideia de que, mais do que uma simnples página de um diário, poderia ser o excerto de um livro em curso. Um daqueles livros que se vai construindo na cabeça de cada combatente da guerra colonial na Guiné, depois de passar à peluda. Um livro que todos nós, um dia, gostaríamos de escrever e de publicar. Ou de ter escrito e de ter publicado. Um livro que gostaríamos de dar a ler, porventura com secreto prazer mas seguramente com reserva e pudor, à nossa companheira, aos nossos filhos e netos, aos nossos pais, aos nossos irmãos e e aos nossos amigos, e até aos poucos companheiros da nossa geração que não foram à guerra. Talvez um livro, ou talvez apenas um conto, um conto de guerra, em todo o caso a merecer antologia" (...).

(3) Vd post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara


(4) Vd. post, de João Varanda, de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco

1 comentário:

jcerca disse...

Gostaria de contatar o Coronel A.Marques Lopes, por mail, telefone ou correio normal.
Obrigado
José Cerca