23 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCLXXXII: Entrevista a Fernando Pereira, correspondente do Expresso, sobre o Projecto Guileje

1. Mensagem de Fernando Pereira, correspondente do semanário Expresso na Guiné-Bissau:

Caro senhor:

Sou Fernando Pereira, jornalista guineense, correspondente do semanário Expresso na Guiné. Estou a preparar um artigo sobre o projecto Guiledje, da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento. Nesse âmbito, queria saber o seguinte:

(i) Que tipo de apoio o senhor e os participantes do blogue-fora-nada pensam atribuir ao projecto ?

(ii) O que os atrai nesta iniciativa ?

(iii) Já agora, quantas pessoas participam no fórum do vosso blogue ?

(iv) Acha que a reconstituição do quartel de Guiledje e o lançamento de um turismo ecológico poderiam atrair visitas portuguesas a essas paragens ?

Se for possivel, agradecia uma resposta, o mais urgente possivel, a estas questões.

Cordialmente

FPereira

2. Respondi-lhe na volta do correio. O jornalista foi simpático, agradecendo-me de imediato "a atenção, assim como as interessantes evocações e opiniões".



P - Tipo de apoio que o senhor e os participantes do Blogue-fora-nada pensam atribuir ao projecto ?


Em cerca de 735 posts (ou textos) publicados no blogue, no espaço de um ano, uns 10% foram dedicados ou fazem referência a Guileje (ou Guiledje, segundo a grafia da Guiné-Bissau).

Guileje, o aquartelamento de Guileje, o corredor da morte de Guileje, a Mata do Cantanhez, mas também Madina do Boé, Gandembel e Gandamael, entre outros locais no sul, têm ainda hoje, passados mais de trinta anos sobre o fim da guerra colonial, uma enorme carga mítica, simbólica e afectiva para os ex-combatentes portugueses na Guiné...

A retirada de Madina do Boé saldou-se por um trágico acidente que vitimou quase meia centena de camaradas nossos; mas Guileje é considerado o único aquartelamento da Guiné que fomos compelidos a abandonar por razões militares e psicológicas: a pressão da guerrilha do PAIGC era de tal ordem que a situação se tornou insustentável...

Tanto para as tropas portugueses como para o PAIGC é um momento, se não de viragem
(militar), pelo menos carregado de simbolismo...

Eu estive destacado, na zona leste, em Bambadinca, numa companhia africana, a CCAÇ 12, de Junho de 1969 a Fevereiro de 1971. Não conheci Guileje nem Gandambel. Mas no meu tempo contavam-se muitas estórias (falsas ou verdadeiras)
sobre a degradação da situação militar no sul, e em especial em Guileje, Gadamael, Gandembel. Por exemplo, era extremamente popular a letra do Hino de Gandembel.

Cantarolávamos, para espantar os nossos medos, exorcizar os nossos fantasmas e
denunciar o absurdo daquela guerra a que estava condenada toda a juventude de
um país, as quadras do Hino de Gandembel:

Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.

(...) Temos por v'zinhos Balana ,
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três te protege

(...)

Numa primeira fase, apoiamos o projecto Guileje, da AD - Acção para o Desenvolvimento, dando-o a conhecer, divulgando-o na Internet, recolhendo documentação sobre a presença militar portuguesa em Guileje (incluindo testemunhos de militares que por lá passaram)...


P - O que os atrai nesta iniciativa ?


Citando o líder da AD e autor da ideia, Pepito, o projecto Guiledje representa o triunfo da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra, da memória colectiva sobre o esquecimento e o branqueamento da história...

É importantíssimo que a Guiné-Bissau recolha e preserve os testemunhos dos guerrilheiros do PAIG que lutaram pela independência, e que pertencem a uma geração que está a desaparecer... É importante igualmente ouvir o depoimento dos ex-combatentes e das autoridades militares portuguesas...


P - Quantas pessoas participam no forum do vosso blogue ?


Temos já uma lista de cem membros com endereços por e-mail...Por outro lado, o nosso blogue tem uma média de 3 mil visitas por mês... Há um crescente número de pessoas que o visitam, dentro e fora do país...


P - Acha que a reconstituição do quartel de Guiledje e o lançamento de um
turismo ecológico poderiam atrair visitas portuguesas a essas paragens ?



Há uma crescente interesse pela Guiné-Bissau, por parte de uma geração como a minha que fez a guerra colonial e que hoje tem disponibilidade, vontade e poder de compra para ir à Guiné, juntar o útil ao agradável: fazer a sua romagem de saudade, exorcizar os seus fantasmas, visitar os lugares e as gentes que estão na sua memória, reconciliar-se com o passado, evocar os seus mortos, fazer o luto, conhecer o país de hoje, contribuir também para o seu desenvolvimento através de projectos integrados e inovadores como me parece ser este, liderado pelo Pepito e a AD...

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