25 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCXCIII: O comportameno exemplar dos militares da CCAÇ 13 (Carlos Fortunato)

Post nº 793 (DCCXCII). Texto do Carlos Fortunato [ex-furriel miliciano, de transmissões, da CCAÇ 13, 1969/71, aquartelado em Bissorã, entre outros sítios]:

Amigos e Camaradas

Tenho lido algumas afirmações sobre o massacre dos comandos, que me obrigam a discordar de algumas opiniões emitidas.

Embora seja consensual que houve outros soldados africanos mortos, além dos comandos, a minha visão sobre os acontecimentos é que a seguinte: o que está em discussão para mim, é termos dado a nossa palavra aos soldados africanos, termos comprometido a nossa honra, e quando chegou o momento de realmente cumprirmos o que prometemos, viramos as costas a esses camaradas.

Não garantimos a sua sobrevivência, e mais grave ainda, quando os massacres começaram a ocorrer, não dissemos uma palavra, quando foram segregados da sociedade não dissemos uma palavra, é claro que é mais cómodo procedermos assim, e em particular dizermos que não sabemos de nada, é fácil arranjar uma boa desculpa para nada fazer.

Sobre as atrocidades que existiram enquanto durou a guerra muito havia a dizer, mas iria abrir muitas feridas, e prefiro nem sequer abordar esse tema, prefiro falar da forma exemplar que os soldados africanos da CCAÇ 13 se portaram.

Os soldados africanos da CCAÇ 13, actuavam na sua terra, quando íamos às tabancas no mato, os soldados encontravam as suas irmãs, primos etc., não roubávamos sequer uma galinha.

Os soldados da CCAÇ 13 actuaram sempre com muita coragem e foram muitas as baixas que causaram ao inimigo, mas nunca vi um soldado africano da minha companhia cometer uma atrocidade, mas sim o contrário.

Na operação que fizemos ao Morés, em que sabíamos que tínhamos que estar 10 dias no mato sem reabastecimentos de comida, vi-os partilhar o pouco que tinham com os prisioneiros, embora sabendo que nos dias seguintes iam passar fome e sede, 11 deles tiveram que ser evacuados por insolação devido à falta de água, e acabamos bebendo a agua estagnada das bolanhas, alimentando-nos das mangas que encontrava-mos, ou roendo algumas cascas de árvore, mas esta atitude sempre digna que tiveram, não evitou que depois fossem mortos pelo PAIGC.

Diz-se que não deviam ter lutado ao nosso lado. Porque não? Se confiavam mais no seu futuro com os portugueses, do que dirigidos pelos seus compatriotas, quem lhes pode negar o direito de terem uma palavra a dizer, e de terem esperança numa reconciliação. Até a resolução 1542 da ONU previa essa possibilidade.

Sempre temi que estes massacres viessem a acontecer, e disse aos soldados africanos o que deviam fazer: quando terminassem o serviço militar, era sair da tropa e procurar uma profissão o mais qualificada possível, para tal deviam já começar a estudar e tirar pelo menos a 4ª classe, e todos os dias por mais cansados que estivesse-mos, lá estávamos na nossa aula.

Não me interessa o que outros países tenham feito, Portugal é o meu país, esta é a nossa história, esta é a nossa honra.

Tenho orgulho que tenhamos feito uma revolução exemplar no 25 de Abril, praticamente sem derramar sangue, e motivos para ajustes de contas não faltavam, principalmente com a Pide, mas fico magoado com este processo que ignorou os soldados africanos.

Na minha opinião deveria ter-se pressionado o PAIGC a integrar os soldados africanos, arranjando soluções de compromisso, por exemplo excluindo as chefias, os soldados condecorados ou louvados, comprometendo-nos a dar um verba para a manutenção dessas forças, deveria ter-se dado a oportunidade de os restantes virem para Portugal e ficarem no exercito português, eu sei lá que mais … existiam tantas soluções.

Neste momento, penso que o importante é concentrarmo-nos no que ainda podemos fazer, por aqueles camaradas, pois ainda podemos fazer alguma coisa, como por exemplo dar-lhe o tratamento que damos aos antigos combatentes, e aqueles poucos euros que agora recebem como complemento de reforma, eram uma paga preciosa e mais que merecida.

Nunca se abandona um camarada. No site da CCAÇ 13 estão os nomes de alguns dos
seus soldados mortos depois da independência, se quiserem fazer uma visita, consultem a página sobre a Guiné.

Um abraço a todos

Carlos Fortunato
(Leões Negros - CCAÇ 13, 1969/71)

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