25 maio 2006

Guiné 63/74 - DCCXCIV: Antologia (39): O massacre dos soldados africanos da CCAÇ 13 (Carlos Fortunato)

Extracto de Leões Negros (Página pessoal do Carlos Fortunato, CCAÇ 13, 1969/71)

Guiné > Bissorã > CCAÇ 13 > O furriel miliciano Fortunato e o soldado Calaboche Tchudá, babalanta, natural da região Bissorã, apontador de LGFog, Prémio Governador da Guiné, em 1970 (0u 1971)...Foto: No regresso de uma patrulha, ao atravessar um riacho, perto de Bissorã, Colaboche agarra o furriel Fortunati e grita: "Tira uma fotografia e manda para a família a dizer que o furriel Fortunato foi apanhado por um turra".


Foto: © Carlos Fortunato (2006)


Guiné > O massacre dos soldados africanos (extractos)

A guerra era algo que os soldados africanos lamentavam constantemente, o seu desejo era que fosse feita a paz.

A aspiração dos soldados africanos da CCAÇ 13 era apenas a de terem uma vida melhor, e o empenho de alguns deles para se desenvolverem era extraordinário. Apesar de apenas falarem balanta e algumas palavras de crioulo, dedicavam-se afincadamente ao auto-estudo, pegando em livros de leitura que decoravam, numa tentativa de aprender a ler.

Com uma ajuda inicial minha e depois do Furriel Varela, conseguiram a proeza de tirar a 3ª classe, nos 2 anos que estiveram connosco.

Apresento a seguir um extracto de uma carta do soldado Calaboche, é apenas um exemplo de um homem simples que lutou leal e dignamente na procura de um futuro melhor, acreditando que ele seria ao lado de Portugal.

Calaboche nunca conseguiria ver os seus sonhos realizados, pois ele, tal como muitos outros, foi abandonado à sua sorte e fuzilado pelo PAIGC.

Contrariamente ao que por vezes tem sido dito, não foram apenas os comandos africanos que foram mortos, muitos outros foram perseguidos e mortos.

Houve quem fugisse para o Senegal, para salvar a vida, mas ai foram muitas as dificuldades por que passaram, alguns acabariam por morrer ai, ao serem apanhados a roubar.

(...) Embora todas as informações indiquem, que os fuzilamentos foram um triste episódio que já terminou à muito, num país pobre como a Guiné, existem muitas maneiras de colocar em causa a sobrevivência.

Uma das coisas que os antigos combatentes africanos se queixavam é que não conseguiam trabalho, a terra agora era de todos, mas os que eram identificados como antigos combatentes, eram excluídos da comunidade, não podendo cultivar a terra, e sem poderem trabalhar como poderiam sobreviver ...

Transcrevo a seguir dois extractos de duas cartas relatando um pouco o que se passou em Bissorã:


Julho de 1982

Quirido amigo Fortunato.

Eu ficou bastante contente com sua carta.

Eu ficou com grande alegria com piqueno informação.

O amigo se voce fala com teu irmão sobre minha problema se ele disse que precisa de qualquer ducumento voce manda-me escrever.

Por favor amigo.

Hora bem eu vou-te esplicar poucina en pouco (1) de independencia da Guiné Bissau.

O que se passou depois de independencia da Guiné, partido mata muitas pessoas na nossa grupo, mata Tenha Taga, Calabos Tchuda, Furrel Sora Nando, só na nossa grupo, também Caba Santiago, Sitofa Quebá, Bacai, José de mesa oficiais, cozinheiro Nhinde de Olossato (2).

Olha Fortunato eu não tem trabalho depois de independencia partido não deija nos(3) trabalhar junto com eles partido disse que nosso tropa portuguesa luta contra eles. Se voce vem cá na Guiné com cooperante voce capaz de arranjar trabalho por favor amigo Fortunato(...).



Notas corrigindo alguns dos erros da carta para melhor compreensão:

(1) Pretende escrever: explicar um pouco
(2) Pontuei este parágrafo para ser compreensível.
(3) Pretende escrever: deixa nós.


1988

(...) Os teus soldados chamados Jorge, Barra, Tancana (1) foi matados em furto em Senegal. (...)


(1) O 2º e 3º nomes estão mal escritos, correctamente é: Birra e Tangana.

Na primeira carta de 1982, é referido o nome de Cabá Santiago. Conheci o Cabá Santiago e posso contar um pouco da sua história, tendo por base aquilo que ele me contou, e o que eu conhecia a seu respeito.

Cabá Santiago era um individuo inteligente e com alguma cultura, tinha sido professor até aderir ao PAIGC, aí passou a ser professor e guerrilheiro. Após muitos anos de luta, sem ver um fim à vista para esta, e percebendo que o PAIGC mentia nas suas mensagens de propaganda, acreditou que o melhor caminho a seguir era o apontado por Portugal, e aproveitou as campanhas de aliciação para os guerrilheiros abandonarem a luta, para se entregar.

Como a todos os que se entregavam, as questões que lhes eram colocadas eram: qual a possibilidade de outros guerrilheiros se entregarem, onde estavam os depósitos de armas, qual a possibilidade de eliminação de guerrilheiros, Cabá com tudo colaborou.

Cabá Santiago foi contudo mais longe, regressou à sua zona contactou os guerrilheiros que estavam junto da população, mandou-os ir buscar as suas armas (cada um tinha escondido a sua no mato), e quando estes chegavam armados eliminava-os.

Escusado será dizer que Cabá Santiago, ficou com a cabeça a prémio, e por isso ele era sempre o último da coluna de milícias que comandava, pois tinha medo de ser morto pelas costas pelos seus próprios homens.

Pergunto aos leitores:
- O que acham que iria acontecer ao Cabá Santiago quando fosse entregue o poder em Bissorã ao PAIGC ?

(...)

Sem comentários: